Monday, December 14, 2009

Blanchet é Blanche


Quando a gente vê coisas como a que vi ontem é que se dá conta do privilégio que é morar nesta cidade. Saí de casa cedo para comprar as últimas encomendas (amanhã embarco pro Brasil, aí já viu...) e seguir pro Brooklyn. O BAM, como quem lê o blog já deve ter percebido, é uma das minhas casas preferidas na cidade. Vi muita coisa boa por lá. 
A expectativa já começou na semana passada, quando NYT noticiou que os ingressos para "A Streetcar named desire" estavam sendo vendidos no mercado negro por USD 2 mil. Eu, que paguei meus setentinha, cheguei a pensar em passar adiante. "Você quer trocar um cotonete por um carro?" Nãaaaao, respondi. E valeu a pena. 
Na sexta-feira nos reunimos para rever o filme, com Vivien Leigh no oscarizado papel principal. Já foi lindo. Fiquei pensando que não se fazem mais frases como antigamente. "Com tantos bares no mundo, por que ela tinha que entrar logo no meu"? "Tudo o que tenho são meus colhões e minha palavra", ou até mesmo "Meu nome é Bond, James Bond". Fazendo justiça aos mais recentes, confesso que repeti algumas vezes "Show me the money" e "I'm the king of the world". Mas naquele filme, é uma atrás da outra. "Ele não é do tipo que se impressiona com um perfume de jasmin", ou "Não quero realidade, quero mágica" e, finalmente, "Sempre dependi da ajuda de estranhos".
Difícil a missão de Cate Blanchet. Como se livrar da melodramática louca que Madame Leigh criou? Acho que a tática dela foi justamente não tentar se livrar. E Blanche apareceu ali, espremida entre as colunas de tijolinho do Harvey Theater. Os outros atores ajudaram, mas ela nem precisava de ajuda. Cate Blanchet estava absoluta e fez valer cada minuto que a tivemos que esperar. Parece que a moça ficou presa no trânsito e a peça começou com uma hora e meia de atraso. Mas no final, ninguém parecia lembrar. Bravo!

Thursday, December 10, 2009

La Danse


Era para ser um post sobre balé. Ontem vi, no cinema, o documentário "La Danse", de Frederick Wiseman, um dos maiores documentaristas de todos os tempos. Anteontem, pela Netflix online, vi "Etoiles", estréia na dieção de Bertrand Tavernier.
Era para ser um post sobre balé porque os dois tratam do mesmo tema: os dançarinos da Opera de Paris. O problema é que a comparação tornou-se inevitável. Tá certo, é bacana aprender mais sobre aquelas lindas figuras de collant, descobrir que muitas bailarinas decidem não engravidar por causa da carreira, saber dados sobre o corpo de baile. Mas o que Wiseman faz é outra coisa.
Não é à toa que ele fica bravo quando dizem que ele faz cinema direto. Wiseman não pertence a nenhuma escola. Neste filme, pela primeira vez, percebi que todas as bobagens que ele faz não são bobagens. Aquela história de jogar fora os primeiros rolos de filme porque neles as pessoas ainda estavam contaminadas pela presença da câmera, ou se orgulhar de não fazer perguntas aos entrevistados, para mostrar a "realidade", sempre me pareceu ingênua demais. É quase lacaniano. Mesmo que a pessoa minta, é a pessoa mentindo que está ali, portanto há, nela, alguma verdade. Dane-se o compromisso com essa pretensa e ilusória realidade. A realidade é tudo e pronto. 
Deixando essa coisa meio Jean Rouche de lado, tem, sim, o maior sentido nisso tudo. Não que ele alcance uma verdade mais verdadeira que a de Tavernier, Rouche ou tantos outros. O lance é que Wiseman faz você esquecer que está vendo um filme. Te leva da cadeira do cinema pra um cantinho escondido, artás de uma pilastra, acompanhando o ensaio do "Quebra-nozes". faz com que você, espectador, se sinta especial. 
No filme, um dos coreógrafos cita, num momento, uma frase de Cocteau que diz algo como "não adianta o ator se esforçar porque a interpretação sempre depende do público". Nos filmes de Wiseman isso se faz ainda mais poderoso. Pela visão dele, o filme se torna completamente nosso.