Wednesday, December 8, 2010

Guerra Cinzenta


Algumas experiências acontecem lado a lado por obra de Santa Clara. Só pode ser. O que mais explicaria o fato de eu ter lido Amos Oz, visto Anselm Kiefer e assistido a Joan Baez no mesmo dia? Separadamente, talvez nenhum dos três fizesse tanto sentido quanto juntos. Um puxou o outro.
Primeiro, "How to cure a fanatic", um livrinho de bolso tão pequeno nas páginas quanto gradioso nas idéias. Munido de palavras (num trecho, ele se diz colecionador delas; se compara àqueles aficcionados por dinheiro, que sentem prazer em manipular moedinhas, com a diferença de que palavras são mais sólidas que metal) Amos Oz defende a formação de um estado palestino-israelense. Seria um divórcio doloroso, segundo ele, como se ex-marido e ex-mulher ainda tivessem que dividir o mesmo apartamento, sendo que nele só havia um banheiro e um cozinha. Mas seria a única solução justa e definitiva para a região.
Depois, Anselm Kiefer na Gagosian Gallery. O alemão já havia chamado minha atenção com suas telas gigantes nos Museus da Filadélfia e de Cleveland. Agora se revelou ainda mais cinza, ainda mais doloroso, em instalações. Se é para se divertir, corra para a exposição de John Baldessari, no Metropolitan. Passe longe daqui. Kiefer é duro, seco, como a guerra de Oz. Não é possível sair de lá sem o coração machucado. O casamento, a relação com os pais, a primeira casa, tudo é destruído pelo isolamento, pela intolerância. Kiefer transforma em gesso moído qualquer argumento de que a guerra é necessária. Dialoga com Oz no desespero, no medo da burrice.
E quando o meu dia parecia cheio de descobertas e devastado por tristezas surge, linda, com seu sorriso quebrado, Joan Baez. O documentário lançado ano passado é um primor. Consegue transmitir a nós, da geração que só a viu de cabelos curtos e grisalhos, o que aquela mulher fez pelo outro. "Prefiro que não me classifiquem como nada. mas se quiserem classificar, que seja, primeiro, como ser humano. Depois, pacifista. E só se precisarem, ainda, de um terceiro rótulo, só aí, podem dizer que sou cantora de folk", diz Baez. O amor por Bob Dylan desaparece perto da amizade com Martin Luther King (aliás, o que não desaparece perto de um discurso de Luther King?). As fofocas, o estilo, a beleza, apesar de intensos, ficam diminutos perto da ativista que segue de peito aberto para o Chile, Sarajevo, Mississippi, Vietnã. Para qualquer lugar onde ela possa mudar alguma coisa.
Cenários de guerra e paz se misturaram nesta terça-feira pré-Brasil.