Thursday, January 27, 2011

Direto do túnel do tempo


Achei que, voltando a morar em Nova York, com tanta coisa para fazer, passaria a atualizar o blog diariamente. Pois não é que, justamente por ter tanta coisa para fazer, não consigo! Então hoje vou falar de um show que vi anteontem. Mas para quem esperou quarenta anos, o que são dois dias?
Charles Bradley deveria ter estourado como um grande nome da Soul Music na década de 60. A voz crua, triste, expressiva, macia, lembra Otis Redding. A postura no palco, com direito a requebrados e espacates, tem um ar Jamesbrownístico irresistível. Mas quando ele começou a despontar no mercado musical, o rock and roll surgia fresco, jovem, e a Soul Music soava como música da vovó. Não é à toa que o primeiro álbum dele, lançado no último dia 25, no Brooklyn, sai com o título "No time for dreaming". Resta pouco tempo para Bradley mostrar a que veio e ele não quer perder um minuto sequer. Por isso sua performance é tão intensa, regada a "I love you" para o público e a uma certa amargura em "Why is it so hard to make it in America?".
A delícia de ver o show de Bradley no Southpaw (casa linda na 5th Ave do Brooklyn) foi me sentir transportada à época de Sam Cooke e Odetta sem precisar de uma vitrola e sem recorrer a covers baratos, cheios de técnica, mas que deixam a alma em casa. Bradley se rasga, chora, se apaixona pelo público genuinamente, como se fazia em 62.
Se você é dos meus e vive se perguntando, "por que é que eu não nasci naquela época", é hora de parar de reclamar. Acompanhado de uma banda de jovens surpreeendentemente despretensiosos, a Menahan Street Band, Bradley traz a verdadeira alma do soul para os nossos dias. E tudo que vale a pena permanece intacto até hoje.

Monday, January 10, 2011

De Messerchmidt a Norman Rockwell


Uma das coisas de que mais gosto nesta vida é ser surpreendida. Tem gente que se sente mal quando não conhece um artista, não ouviu uma música. Para mim, êxtase é não saber. Ter certeza da minha pequenice.
Semana passada a novidade veio na Neue Gallerie, uma preciosidade ao lado do Central Park que guarda alguns dos mais lindos quadros de Klimt e Schiele. Franz Xaver Messerschmidt influenciou vários artistas, mas para mim era um desconhecido. Foi Chico quem, vendo no jornal expressões esquisitas demais para um escultor do século 18, quis conhecê-lo. É claro que ele foi taxado de doido - e talvez tivesse mesmo uns parafusos a menos, ou a mais - mudou de cidade, morreu sem ser reconhecido. Mas até hoje o que ele faz é intrigante.
Messerschmidt chegava às expressões que viraram sua marca se beliscando. São todos auto-retratos, que ele desenhava após árduas horas em frente ao espelho.
A técnica foi repetida por diversos artistas. Mas em termos de processos, ninguém ganha de Norman Rockwell. O passo a passo das criações do gênio da capa do Saturday Evening Post é revelado na exposição em cartaz no Brooklyn Museum. O curioso é que descobrir que Rockwell projetava retratos na tela para dar origem a seus quadros, coisa que ele mesmo chama de "trapacear", não tira em nada a beleza da obra. Mais que um pintor, ele era um diretor, um cineasta apaixonado pelo humano. Usava vizinhos, parentes, amigos como modelos. Pedia a fotógrafos profissionais que registrassem o momento e depois usava partes diferentes de cada foto para chegar ao resultado final. Somos apresentados a um Rockwell humano como sua obra.
Assim, ele nos mostra que conhecimento é tolerância.