Tuesday, June 29, 2010

Dias 141 a 144 - Olhai pro céu


Raleigh é a capital da Carolina do Norte. Uma cidade sem grandes atrações, mas cheia de jovens, por causa das universidades que rodeiam a chamada área do Triângulo. São três cidades onde a pequisa em diferentes áreas - tecnologia, medicina, sociologia... - é incentivada: Chapel Hill, Durham e Raleigh. Conseguimos conhecer bem as três cidades, levados por brasileiros que entrevistamos e pelo Gustavo e a Roberta, amigos de Vitória que estão abrindo uma empresa de importação de granito aqui.

Eu poderia ficar horas falando das pessoas bacanas que conhecemos e reencontramos nesses primeiros dias na Carolina do Norte. Em vez disso, vou falar um pouco do céu. O céu daqui é tão diferente, de um azul tão único, que a cor, naquela tonalidade que a gente chama de "bebê", está em todo lugar. Nos toldos das lojas, nas camisetas, nas casas (mais abastadas, já que o galão de "Carolina blue" custa duaz vezes o preço do convencional) e, pasmem, nos carros do corpo de bombeiros! A natureza por aqui foi generosa.

Outro dia, Roberta me disse "é bem lindo esse país, né?" e eu, num daqueles dias de fúria, fiz cara de quem comeu limão. Pois preciso fazer justiça. É mesmo muito lindo este país. Um lugar que tem um céu degradê como o do Arizona, azul royal como o da Flória, azul marinho como a noite do Mississippi e azul bebê, é privilegiado. Em vez de se orgulhar de naves espaciais e aviões, os americanos deveriam olhar mais pro céu.

Thursday, June 17, 2010

Dia 140 - Sara, Theroux e um belo e estranho caminho


Desde que escrevi aqui a última vez, já passamos por Nashville, Atlanta, Savannah, Charleston e agora nos despedimos de Myrtle Beach, na Carolina do Sul. Seria difícil e, confesso, pouco prazeroso, tentar lembrar o que se passou dia-a-dia, durante minha ausência. Em vez disso, vou escrever nos próximos dias um post sobre cada uma dessas cidades e voltar à rotina de passar por aqui todos os dias.

Hoje chegamos ao 140o dia da nossa viagem. Ontem, lendo um livro do Paul Theroux, consegui encontrar eco para as angústias que encontramos pelo caminho. Ele, talvez o homem mais viajado do mundo, fala do desespero que é você passar a vida sendo um estranho. Onde quer que ele chegasse, as diferenças culturais, idiomáticas e até sensoriais se faziam tão presentes, que ele se sentia isolado. O problema é que com o passar do tempo, abarcando tantas coisas diferentes, tantos Therouxs distintos, ele passou a perceber que o sentimento de outsider já era parte de sua existência. Ele se sentia assim em casa, ao lado da família.

Abrir o coração para o mundo, abraçar as diferenças, se interessar pelo estranho é seguramente mais doloroso do que não se deixar envolver. Hoje, seguimos nos envolvendo, em gravações com brasileiros, cada um com sua história, em piadas com franceses que estavam aqui acampados, sobre a derrota pro México na Copa, num jantar num restaurante etíope. Aliás, veio de lá a maior lição. Sara, a linda senhora africana que nos antendeu, se disse fã do futebol brasileiro, contou que no país dela, sempre que nossa seleção joga as pessoas saem às ruas, em festa. Contou ainda que o que havíamos aprendido no nosso etíope do coração, na 105th, em NY, é verdade: os etíopes de fato comem com as mãos sem sujar as mãos, tarefa impossível para nós, brasileiros, mais habilidosos com os pés.

Antes de trazer a conta, Sara trouxe um papel amarelo já meio morno, com uma porção de rabiscos. Pediu que eu escrevesse "what's your name" em português e explicou que pedia o mesmo a todos os estrangeiros que provavam seu tempero. Escrevi e, logo abaixo, anoitei "comida maravilhosa, pessoas maravilhosas". Talvez Sara nunca saiba o significado do que escrevi. Talvez nem precise. A curiosidade dela, a vontade de saber do outro e a confiança de que o estranho vai se dispor a anotar ali o que lhe foi pedido, fazem de Sara uma pessoa especial. Estranha em qualquer parte do mundo e, ao mesmo tempo, acolhedora, como se o mundo todo fosse sua casa.