Monday, November 22, 2010

Versos Satíricos


Salman Rushdie é dos caras mais engraçados que já vi. Hoje, numa longa leitura na 92Y (mais uma surpresa típica de Nova York, que, depois de tanto tempo aqui eu ainda não conhecia), ele fez graça com tudo. A lei de imigração do Arizona, por exemplo, serviu de gancho para o autor de Versos Satânicos dizer que o Kansas era a prova de que Darwin estava errado, porque a espécie humana nunca poderia evoluir para aquilo.
Confessou que leu, a duras penas, os sete livros de J.K Rowling (que chamou de Tio Patinhas) para agradar o filho mais novo. Sabia tudo sobre todos os personagens de Harry Potter, confessou que acompanhava cada lançamento da indústria de videogames, falou sobre os hábitos de leitura das mais distintas regiões da Índia. Foi uma aula, boa para nos lembrar como é parte obrigatória para a gente se sentir vivendo passar um tempo, algumas horinhas que sejam, ao lado de pessoas inteligentes.
Nos últimos meses, no isolamento da estrada, me sentia emburrecendo. O conceito de casa foi se esvaindo e eu já começara a acreditar que um chuveiro e uma cama confortável bastavam para que eu me sentisse em uma. Nada disso.
Nova York me lembrou que casa é um lugar de onde você não quer sair, mas que te leva para ver o mundo. É aquele cantinho onde você pode se recolher e se sentir crescendo, ao mesmo tempo. Casa é o lugar que te faz querer ter filhos, pôr mais cobetura de chocolate no bolo, borrifar essência de lavanda pelo quarto. Casa, aliás, tem cheiro de lavanda.
Sobre Luka and the fire of life, o novo livro de Rushdie, pouco posso dizer, pois ainda não o li. Ouvi apenas curtos trechos, lidos pelo autor, que falavam de uma bela relação entre pai e filho. Talvez por isso ele tenha me levado a pensar sobre a importância de ter um lugar no mundo, de pertencer a algo. Hoje, sou completamente da minha casa, do meu bairro, da minha cidade. Amanhã posso ser de logo ali. Mas por enquanto, ainda tenho muitas coisas para descobrir aqui. E como é boa essa sensação.

Saturday, November 6, 2010

A vida é um balão vermelho


Algumas vezes vi amigos artistas sofrerem uma abordagem um tanto esquisita dos fãs. Eles punham as mãos pesadas sobre os ombros dos pobres autores e diziam: "eu seeeeeei que você fez aquela música para mim. Quem te contou"? Ou ainda "sou eu, não sou? Aquele personagem sou eu, tenho certeza". Assustador.
Pois hoje me peguei fazendo a mesma coisa para um filme que eu já deveria ter visto há muito tempo, mas sempre adiei. Adiei porque tenho certeza de que Albert Lamorisse o fez para mim. E para que eu o visse hoje.
São 34 minutos, suficientes para mostrar o que tantos de nós passamos em tantos momentos das nossas vidas. Palavras são desnecessárias na saga do menino que encontra um balão encantado numa rua de Montmartre. Os dois ficam juntos, tão juntos que o balão passa a seguir seu "dono". Às vezes lhe prega peças, brinca de esconde-esconde. Lado a lado, os dois descobrem a cidade, as pessoas, a vida.
O problema é que, como nas histórias reais, uma hora alguém se incomoda com aquela harmonia. Por que é que ele tem uma balão vermelho mágico e eu não? Por que os dois se dão tão bem? Quanta injustiça! A alguns, cabe a simples vontade de ter o balão. São crianças que perseguem o garoto, o cercam até conseguirem rouba-lo.
Mas há, ainda, aqueles que nem se importam em ter um amigo encantado. Querem apenas destruir o balão do outro. O primeiro aponta um estiligue. Cambaleante, o balão cai no chão. Outro se aproxima e, com toda a força (aquela que ele deixou de usar construindo seus próprios sonhos e brinquedos), pisa o pobre.
Quem nunca teve um balão vermelho?
Pois bem, meus amigos. Se vocês pensam que, como num bom filme francês, o menino aprende que a vida é assim mesmo e vai para casa de mãos abanando, a lição é outra. Sentindo o que acontecera, dezenas, centenas de balões multicoloridos voam impávidos pelos céus de Paris. Atravessam ruelas, desvencilham-se de duras janelas, driblam telhados. Chegam ao terreno baldio onde o menino velava seu amigo. Dançam ao redor dele que, num lampejo de alegria, segura um por um. E, todos juntos, voam, sabe lá para onde.
Por isso, pode ter certeza. Se o balão vermelho for mesmo seu, chore um pouco por ele. Mas chore sabendo que de onde veio esse, tem uma porção para tornar sua vida ainda mais colorida.