Monday, December 14, 2009

Blanchet é Blanche


Quando a gente vê coisas como a que vi ontem é que se dá conta do privilégio que é morar nesta cidade. Saí de casa cedo para comprar as últimas encomendas (amanhã embarco pro Brasil, aí já viu...) e seguir pro Brooklyn. O BAM, como quem lê o blog já deve ter percebido, é uma das minhas casas preferidas na cidade. Vi muita coisa boa por lá. 
A expectativa já começou na semana passada, quando NYT noticiou que os ingressos para "A Streetcar named desire" estavam sendo vendidos no mercado negro por USD 2 mil. Eu, que paguei meus setentinha, cheguei a pensar em passar adiante. "Você quer trocar um cotonete por um carro?" Nãaaaao, respondi. E valeu a pena. 
Na sexta-feira nos reunimos para rever o filme, com Vivien Leigh no oscarizado papel principal. Já foi lindo. Fiquei pensando que não se fazem mais frases como antigamente. "Com tantos bares no mundo, por que ela tinha que entrar logo no meu"? "Tudo o que tenho são meus colhões e minha palavra", ou até mesmo "Meu nome é Bond, James Bond". Fazendo justiça aos mais recentes, confesso que repeti algumas vezes "Show me the money" e "I'm the king of the world". Mas naquele filme, é uma atrás da outra. "Ele não é do tipo que se impressiona com um perfume de jasmin", ou "Não quero realidade, quero mágica" e, finalmente, "Sempre dependi da ajuda de estranhos".
Difícil a missão de Cate Blanchet. Como se livrar da melodramática louca que Madame Leigh criou? Acho que a tática dela foi justamente não tentar se livrar. E Blanche apareceu ali, espremida entre as colunas de tijolinho do Harvey Theater. Os outros atores ajudaram, mas ela nem precisava de ajuda. Cate Blanchet estava absoluta e fez valer cada minuto que a tivemos que esperar. Parece que a moça ficou presa no trânsito e a peça começou com uma hora e meia de atraso. Mas no final, ninguém parecia lembrar. Bravo!

Thursday, December 10, 2009

La Danse


Era para ser um post sobre balé. Ontem vi, no cinema, o documentário "La Danse", de Frederick Wiseman, um dos maiores documentaristas de todos os tempos. Anteontem, pela Netflix online, vi "Etoiles", estréia na dieção de Bertrand Tavernier.
Era para ser um post sobre balé porque os dois tratam do mesmo tema: os dançarinos da Opera de Paris. O problema é que a comparação tornou-se inevitável. Tá certo, é bacana aprender mais sobre aquelas lindas figuras de collant, descobrir que muitas bailarinas decidem não engravidar por causa da carreira, saber dados sobre o corpo de baile. Mas o que Wiseman faz é outra coisa.
Não é à toa que ele fica bravo quando dizem que ele faz cinema direto. Wiseman não pertence a nenhuma escola. Neste filme, pela primeira vez, percebi que todas as bobagens que ele faz não são bobagens. Aquela história de jogar fora os primeiros rolos de filme porque neles as pessoas ainda estavam contaminadas pela presença da câmera, ou se orgulhar de não fazer perguntas aos entrevistados, para mostrar a "realidade", sempre me pareceu ingênua demais. É quase lacaniano. Mesmo que a pessoa minta, é a pessoa mentindo que está ali, portanto há, nela, alguma verdade. Dane-se o compromisso com essa pretensa e ilusória realidade. A realidade é tudo e pronto. 
Deixando essa coisa meio Jean Rouche de lado, tem, sim, o maior sentido nisso tudo. Não que ele alcance uma verdade mais verdadeira que a de Tavernier, Rouche ou tantos outros. O lance é que Wiseman faz você esquecer que está vendo um filme. Te leva da cadeira do cinema pra um cantinho escondido, artás de uma pilastra, acompanhando o ensaio do "Quebra-nozes". faz com que você, espectador, se sinta especial. 
No filme, um dos coreógrafos cita, num momento, uma frase de Cocteau que diz algo como "não adianta o ator se esforçar porque a interpretação sempre depende do público". Nos filmes de Wiseman isso se faz ainda mais poderoso. Pela visão dele, o filme se torna completamente nosso.

Monday, November 30, 2009

O amor tem duas cores


Começou nem me lembro quando. As mais antigas recordações remetem mais ou menos aos meus quatro anos. Todo mundo se reunia lá em casa pra ver o jogo. Todos os amigos dos meus pais. Até mesmo tio Paulinho, que é tricolor (aliás, talvez um dos maiores desgostos da vida dele tenha sido a conversão do Rafael a rubro-negro). Entre uma roda de violão e um jogo de totó (no qual sempre defendi com louvor o Flamengo, desbancando qualquer marmanjo, mesmo que ele quisesse usar golpes baixos como o proibido "ventilador"), comemorávamos gols de Zico, Junior, ou até mesmo Bugica. Chorei com o título de Penta como só chorei novamente depois de velha, por encontrar um amor.
Passaram-se anos e a inexplicável paixão só crescia. Tudo bem gostar de gente, bichos, mas amar um time? Sofrer de verdade quando ele perde? Sentir que um gol de barriga é mais doloroso que joelho ralado? Precisava descobrir isso a fundo.
Foi quando chegou meu segundo amor. Chamava-se Vitória Futebol Clube. Vitorinha, pros íntimos. Eu ia ao estádio com meu pai todos os domingos. E se havia jogos na quarta-feira me postava do lado de fora do portão do colégio no fim da tarde e, assim mesmo, de uniforme, ia pro gigante de Bento Ferreira. Lá encontrava uma porção de amigos e tantos outros que mais pareciam lendas-vivas. O gordão que, dizia-se, havia matado um poodle com um pisão. O magrelo que comia churrasquinho de gato sem parar. Ou mesmo o craque Osni, que de tão pequeno fazia a blusa do time parecer de manga comprida. Teve até o dia em que reclamei dele aos berros e ouvi um pai desconcertado pedir pra eu parar, porque ouvir a gente falar que o filho era o maior pereba machucava demais.
Mas o Vitória nunca era campeão. Pelo contrário. Cheguei a ver jogos tenebrosos quando o time desceu pra segunda divisão do estadual do Espírito Santo. Dá pra imaginar? Vi maqueiro derrubar jogador, técnico bater em juiz e cada lance! O mais impressionante era que o estádio estava sempre lotado. Pra ver aquilo? E por que eu continuava indo? Por que continuava sofrendo com cada derrota? Por que via derrota atrás de derrota e continuava apaixonada? Por que trocava o shopping com a amigas por uma ida ao estádio do Colatinense em dia de chuva? Era o jogo? Eram as pessoas?
Fui morar no Rio e lá ia eu, em plena quarta-feira, de ônibus, ver Flamengo e Olaria. Domingo era regra. Vi o campeonato, o bi, o tri em cima do Vasco, o gol de falta do Pet, tomei bandeirada na cabeça, corri quando a "panela de pressão", entre a Jovem e a Raça, resolveu explodir, comi muito biscoito Globo e tomei cerveja no copo plástico. É claro que a farra vale a pena, por si só. É claro que amo futebol, sempre soube o que era impedimento e sou até capaz de fazer análises táticas bem atrevidinhas. Mas o que nos move é mesmo o amor. Amor que me fez cair no choro sozinha em casa no último domingo vendo o Flamengo fazer um primeiro tempo cheio de garra e um segundo inteligente, administrando o resultado (coisa que a gente nem sempre vê no mais querido). Vontade de comprar uma passagem e sair correndo pra casa, pra ver a festa.
Aqui de longe, comemoro os bons presságios. Este ano o Vitória foi campeão (da série B, porque da série A ja seria demais, né, gente!) , o uniforme do Vitorinha é azul, como o do Grêmio, que o Flamengo enfrenta no domingo, e até mesmo rivais estão torcendo, em respeito a um dos melhores campeonatos de todos os tempos. Tão emocionante que tirou de vez minha birra com os pontos corridos. Só resta acender uma velinha e dormir feliz por ter escolhido tão bem. Vai haver mais um baile no Maracanã. 

Friday, November 27, 2009

Going green


Cem mil anos depois nem meu blog deve me reconhecer mais. Tá, não foram cem mil anos, mas foi um mês que valeu por mais ou menos isso. Foram tantos shows (de Devendra Banhardt a Woody Allen, passando por Milton Nascimento no Carneggie Hall), tantas óperas (de Turandot a Il Trittico passando por Aida), tantos museus (Kandinsky no Guggenheim, Robert Frank no Metropolitan, rock no Museu do Brooklyn, Moma), tantos espetáculos (teve Dreamgirls no Apollo e um bis de In the Heights), tantas visitas (Lari, Aida, Carlinha, Chico, Roberta, Eliana...), tantos restaurantes... Ah, melhor nem pensar!
Pois bem de volta à batalha, quero comemorar o fim de um dos livros mais difíceis dos últimos tempos. "Eating animals", do Jonathan Safran Foer. Demorei bem mais do que deveria. Na verdade, já fazia um tempo que não lia nem via nada sobre maus tratos a animais. Já estou prestes a completar um ano de um vegetarianismo muito bem resolvido, já sei de malefícios suficientes da indústria alimentícia pra me fazerem feliz com meus votos e, acima de tudo, não consigo mais olhar pra um bife sem pensar no meu cachorro e na minha gata.
Mas eis que resolvi ler o novo do Safran Foer. Demorei por vários motivos. Primeiro, porque queria decorar todos os dados assustadores (pra um sashimi de atum chegar a sua mesa, 145 espécies são mortas gratuitamente; a agricultura animal contribui 40% a mais pro aquecimento global que todos os meios de transporte juntos; 99% das fazendas nos Estados Unidos seguem métodos cruéis de criação e morte dos animais...), depois porque caí no choro seguidas vezes e desisti da leitura (vou poupar vocês das cenas de maus tratos por ele descritas) e, por fim, por causa da minha dificuldade de terminar livros que sempre me faz demorar duas semanas nas vinte páginas finais. Me apego a eles e é duro dizer adeus, fazer o quê? 
Mas o fato é que hoje terminei e sigo mais vegetariana que nunca, sabendo que essa é só uma pontinha do que posso fazer por um mundo melhor, mas pelo menos já é alguma coisa. Não quero ser responsável pela morte de ninguém, nem de uma tilápia, que é mais inteligente que muito marmanjo por aí, nem de um frango orgânico criado solto. Pra mim não dá.
Passei este primeiro ano de vegetarianismo tentando falar o mínimo possível nisso e me convencendo a não convencer ninguém a seguir o mesmo caminho. Mas hoje, pra comemorar, falo de peito aberto: que tal trocar um pedaço de bicho por uma plantinha?

Wednesday, November 4, 2009

Vovô Bob é malucão...


Acontece. Fazer o quê? Fui ao teatro hoje, no BAM, que por si só vale o espetáculo. Ela a premiére de Quartett, com a Isabelle Huppert, dirigida pelo Robert Wilson. 
Antes do início, a presidente da Brooklyn Academy of Music e o diretor subiram ao palco. Ele emocionou-se ao dizer  que é bom estar em casa, já que é aquele palco o que mais recebeu montagens suas. O público já estava ganho.
Daí, entraram em cena atores maravilhosos (apesar de haverem cinco, era quase o monólogo da genial Huppert), a iluminação mais bem feita que eu já vi e um texto magistral do Heiner Muller. Perfeito, né? Pois dá pra acreditar que saí de lá como entrei? Desculpem-me, podem pensar que não entendi, mas pra mim, como deixei claro no post abaixo, arte é uma agonia e nada, nadica de nada, me aconteceu durante a encenação.
Meu único pensamento era no vovô na fila da ponta. Robert Wilson estava sentado na minha fileira e olhava atentamente cada movimento. Só o vi fazendo um comentário. No mais, olhos em cena. E eu pensando naquele velhinho fofo numa mesa grandona no jardim, rodeado de netinhos que descobriram as maluquices que o vovô punha no palco. Um devia cochichar pro outro "vovô Bob é doidinho"... E pra mim, a lição de arte da peça de hoje, foi: como é bom ver que a vanguarda envelhece, faz setenta, oitenta anos, e continua ali, atenta, com filhos, netos, vivendo, como eu, mortais ignorantes, que não entendi lhufas do que ele quis dizer. Se é que ele quis dizer.

Saturday, October 24, 2009

A arte é uma agonia


É tão difícil explicar o que faz de um filme um bom filme, o que faz de um quadro o seu preferido, o que faz de uma música um resumo da sua vida. É quando a gente diz "parece que ele fez isso pra mim" ou simplesmente se acaba de chorar.
Na verdade, tudo não passa de uma grande agonia. Acho que a arte deixa de ser bonita pra ser espetacular quando desarruma alguma coisa dentro da gente. 
Foi bem o que aconteceu quando vi "4 X 4", o espetáculo da Deborah Colker que, anos depois de ver no Brasil, revi aqui e Nova York. Eu lembrava direitinho o desespero que senti no segundo ato. As minhas amigas ainda tentavam se deliciar com o primeiro, também muito bacana, enquanto eu anunciava: "vocês precisam ver o segundo ato!".
É que só depois que a cortina se levanta pela segunda vez os bailarinos começam a trazer, um a um, vasos chineses pro palco. Pousam num desenho simétrico, marcado no chão do palco, aqueles lindos e frágeis obstáculos. E quando tudo parece em ordem, começam a dançar. Você perceber que a piruetas são mais contidas, mas os batimentos do coração nem por isso se conformam. É desesperador. Dá uma angústia tão enorme, como se nenhum ensaio fosse suficiente e você tivesse que pedir a papai do céu pra proteger aqueles pobres pés do desastre vindouro. 
Claro que nenhuma tragédia acontece a não ser a dolorosa constatação de que, na sua agonia, você se tornou refém da arte. E torce dia a dia, pra que prisões como essa não se abram jamais.

Wednesday, October 21, 2009

De volta pra casa


Depois de um longo período de "café com leite", estou de volta a NY. Fui ao Brasil pra II Conferência das Comunidades Brasileiras no Exterior. Além de descobrir que tem brasileiro no mundo inteiro (Suriname, Líbano, China, Zaire...), foi ótimo ver como pesquisadores, políticos e cidadãos vêem a situação de quem está longe de casa. É que daqui a gente nunca sabe se está sendo visto. Então além de todas as mesas de debates interessantese da belíssima paisagem do Palácio Itamaraty, a gente se viu como cidadãos brasileiros de verdade. Em uma sitação diferente, mas que não exclui nossos direitos e deveres.
Pois bem, isso vai ao ar no programa do próximo sábado. O que não vai ao ar foi o período maravilhoso que eu passei em casa, perto dos amigos mais queridos. É, morar longe também permite que a gente se sinta no direito de encontrar apenas quem se quer mesmo, ficar perto dos que nos fazem falta, sem demagogia. 
Teve jantar, quadra da Portela, chope no Bar Urca, no Pavão Azul, no Jobi e até no São Cristóvão, em São Paulo, numa mesa recheada de amigos brilhantes. Teve família completa, praia, montanha e muitos, muitos sorrisos.
Ah, e pra coroar tudo isso, ainda teve um showzão do Egberto Gismonti no Sesc Vila Mariana. Nunca tinha visto o gênio tocando violão se doze cordas ao vivo. Foi de encher o coração. Coisa de maluco.
Bom estar de volta em casa.

Monday, September 28, 2009

Le Misérable


O Jean Valjean dos tempos modernos se chama Roman Polanski. Um vacilão que faz tudo para entrar na linha, mas não consegue escapar da perseguição de um policial. Acabo de ver "Roman Polanski wanted and desired", que está no watch instantly da Netflix. O documentário, super interessante, menciona a infância trágica do menino que se viu sozinho, fugindo do nazismo, depois que toda a família morreu (a mãe, ainda na Polônia, o pai, num campo de concentração), do adulto que perdeu a esposa grávida, assassinada pelo maior serial killer dos EUA, Charles Manson, e o velho babão que virou fugitivo depois de transar com uma menina de 13 anos.
No documentário a gente se covence de que sim, por mais que se tenha compaixão por Polanski, 13 anos são 13 anos e é de lascar. Fosse quem fosse a menina ou a mãe dela, ou qualquer coisa.
Mas é maluco imaginar o fim que um delito, perdoado pela própria vítima, pode causar tamanho dano. Se a vida de Polanski daria um filme (na verdade, daria dezenas, e não apenas "O Pianista" ou o próprio documentário), é doloroso imaginar que depois de tantas décadas, perdão não sirva pra nada, talento e lifetime achievement não sirvam para nada. Ainda não sabemos o fim do filme, mas hoje o cara está com quase oitenta anos, casado há 20, com dois filhos. 
A vítima também é casada há 20 anos e tem três filhos. Já disse que perdoa Polanski e que não quer que ele seja preso. Diz que um novo jugamento seria um tormento para sua família e pede paz.
O inspetor Javert dessa história é um juiz de Los Angeles, Laurence Rittenband, que tenta propor acordos às duas partes e segue quebrando cada um deles, de acordo com a maré da mídia. Ele morreu em 1993, aos 88 anos. Agora, não se sabe como a justiça americana vai proceder. É esperar que pelo menos alguma coisa o berço do capitalismo tenha aprendido com Victor Hugo: "a tolerância é a melhor religião". 

Eu quero uma flauta mágica

Vi a ópera mais bonita da minha vida no último sábado, na Metropolitan Opera. É tão bom poder falar isso sem nenhum peso na consciência! É que foi tão linda, mas tão linda, que não teria como não dizer. Quando em Paris, a ópera era programa sagrado, todo fim de semana. Por incrível que pareça, era o que cabia no bolso. O ingresso vue parciale era mais barato que próprio bilhete para a visitação ao deslumbrante prédio. Assim, eu chegava mais cedo, andava pelos salões tão parecidos com os do Teatro Municipal do Rio, e depois seguia pro meu lugar, atrás de uma pilastra. Fiquei amiga dos bilheteiros e, minutos antes de começar o espetáculo, eles me chamavam para avisar se havia sobrado lugar nas áreas mais nobres. E lá ia eu.
Fui ao Colón com minha irmã, que me rendeu a melhor história. Insisti que fossemos e ela não queria de jeito nenhum. Só aceitou quando prometi que sairíamos ao fim do primeiro ato, se ela quisesse. Tinha certeza de que ela ficaria tão apaixonada, que desistiria e me encheria de beijos, pedindo pra ficar até o final. No fim do primeiro ato, ela me olha e diz: "vamos? quero achar um cyber café aberto". Julia é das pessoas mais decididas que conheço. Não acreditei, mas abandonei Don Carlo, de Verdi, no meio.
teve, ainda, a incrível Ópera de Viena. Compramos ingresso no dia. Três horas de pé, embasbacados. Lembro que tínhamos que entrar cedo para guardar lugar, então amarramos o cachecol na barra à frente e, quando voltamos, lá estava nosso lugar guardado!
O mais louco é que a Ópera de Viena foi erguida em 1801 justamente por Emmanuel Schickaneder, o libretista da... Flautá Mágica!
O espetáculo do momento começava com um enorme dragão chinês. Nem mesmo os motivos maçônicos (tenho que descobrir o que Mozart tinha com a maçonaria) conseguiram me afligir. Saí de alma lavada. É tão bom imaginar que é possível reunir tantas cores, tantos sons num só palco. Diante daquele emaranhado de sentimentos, de repente o show do U2 me pareceu técnico demais. Sei lá. Muito bom saber que tanta beleza está logo ali, a dua estações de metrô. Deve ser incrível morar numa cidade assim.

Sunday, September 27, 2009

Powerpuff girls


Acabei de descobrir que o meu blog tem leitores! Não é incrível? Além do Chico, da Évelin e do Maurício (que me mandou o presente mais fofo dos últimos tempos, um moleskine para eu anotar tudinho de NY), o Rafa também lê. 
A idéia de fazer um blog era só para deixar registradas as coisas incríveis que fiz e descobri aqui em Nova York, para que eu mesma não esquecesse. Mas acabei deixando o endereço num cantinho do Facebook e... eba! Gente legal está vendo. Muitas das memórias já ficaram pra trás. Aconteceram antes do Pra te confundir. O balé de abertura da temporada do Lincoln Center, que vi com minha mãe e as peças que vimos na Broadway (Fantasma e Mamma Mia), West Side Story com Cacá, o jazz no porão de um boteco no Harlem, o show do Sondre Lerche, o show do Morrisey (meu primeir Carneggie Hall) e até o dia em que descobri que havia cachoeiras no Central Park (aliás, só as corridas pelo parque renderiam um post por dia). Não dá pra guardar tudo, mas é bom demais saber que essas coisas ficam protegidas do inclemente coador da memória. 
Nos últimos dias vi "Norma Rae" (adorei), "La pianiste" (proibido para dias de fossa), "O tiro no pianista" (sem surpresa alguma, maravilhoso), "The boys are back" (chatiiiiiiiinho) e ontem a lindeza maior da semana,  "Coco before Chanel".
Sempre fui fascinada por filmes de superação. Aqueles em que o time de baseball mais fraco vence um jogo improvável e vai às finais da temporada (e, claro, sai campeão). Aqueles em que o aluno mais sacaneado ganha  concurso de matemática e vira herói. Mas gostava mais ainda quando as personagens centrais eram mulheres. Talvez por isso minha prima tenha decorado as falas de "Karatê Kid" e eu tenha ficado com "Flashdance".
Talvez por isso eu tenha gostado de "Norma Rae" e adorado "Coco (...)". Audrey Tautou, sempre linda, empresta doçura a uma mulher que a mistura com acidez. No filme, Coco aparece antes de se tornar Chanel, como o próprio nome informa, mas já cheia de estilo. Deixa de lado as plumas e acessórios para fazer as roupas a partir de ternos do namorado (acho que aquilo não se chama namoro, mas vá lá). Usa camisetas de pescador com uma faixa preta amarrada à cintura, descobre o tweed, sofre por amor. A mim, só restou correr pra casa e costurar. E o vestido ficou bem bonitinho.

Thursday, September 24, 2009

Love is a temple


Fico muito tempo sem escrever e daí acontece isso! Os posts ficam enormes! Por isso vou escrever logo, brevemente e de uma vez só, sobre o show de ontem. Sim, meus amigos, eu vi U2 no Giants Satadius. Sim, foi histórico.
A banda de abertura foi uma grande suspresa. Eu ainda não tinha ouvido o Muse, apesar de ter ouvido falar um bocado. Fiquei ressabiada quado me disseram que parecia Radiohead. Pensei "lá vem mais uma banda querendo imitar o inimitável. Haja paciência!" É como quando dizem "eles são ótimos, fazem um som meio Beatles, sabe? Não, não sei. Som meio Beatles sempre acaba sendo meu Miquinhos Amestrados e som meio Radiohead sempre acaba sendo... Deixa pra lá.
O fato é que Muse lembra, sim, Radiohead, mas tem assinatura. A banda é boa, os músicos são competentes e o melhor é que eles são autorais. O rock pesado pero no mucho combinado com letras bonitas e simples ("Chase your dreams away / Glass needles in the hay / The sun forgives the clouds / You are my holy shroud  / And you can't resist / Making me feel / Eternally missed") conquistou meu coração. Mas o melhor ainda estava por vir.
Eram pouco mais de 9 da noite quando Bono e seus amigos entraram no palco, que por si só já era um espetáculo. Até uns guarda-chuvinhas fofos, abertos assim que uma garoa fina começou, ele comportava. O show começou com quatro músicas do novo disco e depois foi um hit atrás do outro. "One"(que eu tinha ouvido ao vivo uma outra vez, ainda mais emocionante, na posse do Obama) e "Where the streets have no name" ficaram pro bis. Bom demais ver de pertinho, ao vivo, uma banda tão presente desde a minha infância. Bom saber que muito tempo se passou, mas eles continuam com o mesmo vigor. Talvez mais. E bom demais saber que posso ir a um show com mais de 80 mil pessoas, pegar o metrô, entrar e sair sem nenhuma confusão. Is it getting better or do you fell the same?

Um moço chamado Koreeda


Estava passando da hora de eu escrever um post só sobre ele, o meu cineasta do momento. Faz tempo que nenhum artista me desperta tamanha vontade de mais. Ao som de Damien Rice cantando "The Professor", a música do momento, queria deixar anotadas as descobertas que o moço do sol nascente tem despertado em mim. 
Começaram há uns anos, quando vi, no cinema, "Nobody knows" (na foto), que lá no Brasil era "Ninguém pode saber". Devastada pela tristeza, deixei a sala em disparada, com o coração querendo parar. Acho que foi uma confusão tão grande que achei melhor, talvez inconscientemente, parar por ali.
Tempos depois esbarrei com "Still walking", que rendeu um post umas semanas atrás. Lindo, lindo. Resolvi, então, rever "Nobody knows". Mais uma vez, a sensação de que filmes são pessoas, portanto mudam com o tempo, virou certeza. É mesmo muito, muito triste. Provoca, sim, uma confusão enorme no peito. Mas não há motivo para ter medo de sentir. O filme, nas suas pequenas e grande tragédias, mexe com nossos instintos. Como ver alguém ter fome? Alguém indefeso tendo de se defender do indefensável? E como ver alguém grande e forte alheio a tudo isso? Até que ponto responsabilidade de sobrepõe à felicidade? Coincidentemente ontem uma escritora tentava, a todo custo, se defender da platéia e do prórpio apresentandor, no Dr Phill. Maria Housden fez quase o mesmo que a personagem de Koreeda, claro, em escala bem menor. Decidiu que, após o divórcio, deixaria os três filhos com o marido para viajar pelo mundo e escrever o livro. E o fez. Apenas duas mulheres (acho que no final do programa, Dr Phill resolveu deixar as senhoras falarem para que Maria não fosse apedrejada na saída do estúdio) defenderam a mãe desnaturada. São tantos os sentimentos que envolvem essa história que é difícil fazer qualquer julgamento. O direito à felicidade é sagrado. A preocupação em dar aos filhos a melhor condição de vida é nobre. Mas será que ficar longe da mãe é isso. Mal comparando, lembro quando vim para Nova York, no auge do inverno, e perguntei à veterinária se deveria trazer Pinduca e Dindi comigo. Ela disse: "chova ou faça sol, num apartamento grande ou pequeno, comendo ração ou sobra de comida, o que eles querem é estar com você". No filme de Koreeda é exatamente o que acontece. Sujos, sem água, luz ou comida, eles ainda chamam a mãe. Numa cena, a filha mais velha briga com o filho que decide jogar fora as roupas daquela que os abandonou. É um assunto complexo mesmo. Eu poderia passar horas divagando sobre isso, mas como o post é sobre o Koreeda, vamos ao "After Life".
Pois é, o filme de 1999, se passa numa repartição pública. Bem parecida com aquelas que a gente conhece, com mesas e divisórias, mas com uma diferença: é uma repartição no purgatório. Essa palavra não aparece em nenhum momento, mas o fato é que é para lá que as pessoas vão depois que morrem. lá chegando, se deparam com um pedido dos funcionários: precisam escolher um momento da vida que as encheu de alegria e de sentimentos bons. Todo o resto será apagado e apenas essa cena ficará. Para isso, o morto deve contar com detalhes tudo o que vive, viu e sentiu, e a equipe da repartição produzirá um filme para que aquilo nunca se apague (sim, está aí uma reflexão sobre o cinema que tem me tomado desde então). O curioso é que tem gente que lembra de um momento da infância, como uma dança com um irmão, com um vestido vermelho rodado, o encontro com um namorado que nunca virou de fato namorado, o cheiro das costas do pai, na hora de um passeio no parque, ou o instante em que uma brisa leve encontrou um luz difusa espalhando beleza pelo quarto. Há, ainda, os que não conseguem escolher momento algum. Um desses é Ichiro Watanabe, que repensa sua vida e conclui que teve um casamento "so so", um trabalho "so so", amigos "so so". Lembra que havia prometido à mulher que a levaria ao cinema todas as semanas, quando ainda namoravam, e nunca a levou. Eu mesma fiquei pensando no meu melhor momento e, ufa, não consegui escolher por excesso, não por falta.
Pois é, amigos, "a vida é uma só e duas mesmo que é bom ninguém vai me provar que teve a não ser que mostre certidão passada em cartório do céu e asinado embaixo: Deus! E com firma reconhecida."
Vinícius de Moraes, o dono dessa e de outras frases igualmente belas é o tema do próximo post. Ele e José Castello, autor de uma das mehores biografias que já li. Aliás, eles, Clarice Lispector e Benjamin Moser. Mas isso é outra história.

Saturday, September 19, 2009

O velho é o novo


Bastam três dias sem escrever para ter um monte de reflexões engasgadas.

Foram alguns os filmes desses últimos dias. Voltei, de vez, ao ritmo de um filme por dia. Ando firme nesse índice, mesmo sem querer.

Quarta-feira fui ao cinema ver September issue, o documentário sobre a Anna Wintour. Tão sem graça que faz até eu, que adoro costurar e ver novos modelos de vestidos e saia, achar o mundo da moda um saco. O filme gira em torno da euforia e dedicação da equipe da Vogue para fechar a edição de setembro, a maior da revista. É um documentário em que todos os entrevistados são completamente poser e quanse nada tem a dizer. Alguém pode ter uma idéia pior? Depois de "O diabo veste Prada", deve ter sido a saída para salvar a pele da editora que já deixou tantos bichinhos sem pele.


Bem, quinta-feira, no trem para Boston, tive de recorrer ao meu salvador, líquido e certo, François. Revi "Jules et Jim" e devo confessar que agora o filme me pareceu ainda melhor. É intrigante. Daqueles que te deixam em ebulição dias depois. Um filme de amor, em todos os seus sentidos. O amor sexual, maternal, de amigos, de amantes. A fotografia linda, os diálogos engraçados, ácidos, lindos, os personagens, capazes de despertar sentimentos numa almofada, completam a obra-prima.


Ainda consumida pelo espírito aventureiro misteriso, dramático e cômico de Truffaut (como é que ele consegue tudo isso ao mesmo tempo?), sexta-feira resolvi dar marcha-ré. Assisti a "Pinneaple Express". Céus! Que bobagem! Parecia que a qualquer hora o Truffaut apareceriz dizendo "um amor assim delicado, você pega e despreza". Estraguei todo o embrulho com uma comédia sem a menor graça que, acreditem, eu parei de ver três vezes até conseguir chegar ao patético fim. E olha que eu até tenho gostado de comédias. Adorei "Funny People", adorei "Knocked Up" e adoro o Seth Rogers. Acho o gordinho um charme, fazer o quê? Bem, acho que agora, no trem voltando pra casa, vou ter que apelar. "O Tiro no pianista" me aguarda. Que Charles Aznavour seja capaz de apagar da minha memória o último Rogers.


A bênção, Cacá!


Fui a Boston, meio na correria, na quinta-feira à noite. Adoro Boston, mas estava muito cansada, esperando passar o fim de semana em Nova York, curtindo os bichos e tentando acomodar o apartamento à ausência da Cacá.


Pois é, depois de dois ou três meses lá em casa, minha querida Cacá, para a alegria do Antônio, está pertinho de voltar ao Brasil. Nos despedimos com o melhor cookie do mundo, na 74th com a Amsterdam. E guardamos nossas pulseiras da amizade como símbolo dessa descoberta tão especial: somos amigas. 


Não é todo dia que a gente encontra pessoas bonitas como a Cacá pela frente. Ela é a namorada do Antônio, um dos meus melhores amigos da vida toda, há oito anos. Sempre gostei dela, mas ela morava em São Paulo (aquela cidade feia... rsrsrsrs) e a gente acabava se encontrando meio na correria, e sempre com o Tonico por perto. Tonico é louco pela Cacá e á fácil entender por que quando você conhece ela de verdade. Ela não é só linda por fora, com porte de modelo e sorriso fácil, mas valioso. Cacá é uma amigona, que sei que levo pra vida toda. Destemida, guerreira, inteligente, moderna, doce, uma fortaleza. Sempre achei que eu conseguisse segurar os problemas de todos os meus amigos e ainda os meus com uma habilidade malabarística. Agora vejo que faço o básico. Incrível mesmo é a Cacá, que passeia pelas dificuldades como uma garça divertida.


Cacá merece ter um cachorro, um casamento na praia e flores bem coloridas pelo caminho. Ah! E, é claro, cookies de chocolate todos os dias! 


Tuesday, September 15, 2009

Cap?


O amor é uma piscina de cimento. Ou uma sequência de bobagens.
Eu acabara de escrever essa frase quando o segundo capítulo de "Viver a vida" terminava. Uma senhora me aparece falando da filha, Jessica, que tem sídrome de Williams. Ela disse que as qualidades dela superaram as dificuldades e que se hoje ela se emprenha em promover políticas públicas de inclusão para deficientes, deve isso ao amor da filha. Pronto. Caí no choro.
Pois é, a primeira reflexão vinha de um belíssimo filme francês que vi hoje. Agora já digo belíssimo, mas assim que ele acabou, fiquei bem na dúvida. "Love me if you dare" é a história de um casal que se conhece ainda criança. Desde então, eles brincam de "cap pas cap", um joguinho infantil que eles transformam em patético e destrutivo. Ao longo das duas horas de filme, Marion Cotillard e Guillaume Canet se machucam, se afastam, se beijam, quase se matam, para no fim, você não saber o que de fato aconteceu.
O amor pode mesmo, se destrutivo, mas será isso amor? Quantos filósofos, poetas, artistas, deidcaram a vida a definir tal sentimento, sem sucesso. talvez não haja definição. Talvez seja memso uma sequência de bobagens ou uma piscina de cimento. Nesse caso, prefiro Manoel Carlos.

Sunday, September 13, 2009

Too good to be true


Quando vim para Nova York decidi que seria um ano para realizar sonhos. Sabia que não juntaria dinheiro, me assustaria com os preços das coisas, mas queria ficar de café com leite, aproveitando tudo o que a melhor cidade do mundo tem a oferecer. 
Fui a vários shows bacanas, espetáculos de dança, balé, ópera, cinema toda semana, museus. E o ano ainda não terminou. Só que uma coisinha ainda me incomodava um bocado. Desde os nove anos, na época em que o Jaime Oncins começou a fazer sucesso na Copa Davis (lembra do Jaime Oncins?), decidi aprender a jogar tênis. Joguei por alguns anos no Álvares Cabral, um clube divertido de Vitória. Depois, já no Rio, passei a jogar no Flamengo, e, em Macaé, sem mais nada a fazer além de trabalhar, passava todo o tempo de folga enfiada na quadra. Gosto muito de esportes. Vou ao estádio sempre, vejo até golf na ESPN, mas tênis era outra coisa. Coisa de parar no meio da estrada, durante uma viagem, se houvesse jogo de Grand Slam. Coisa de chorar, saber as posições de cada jogador no ranking, achar o McEnroe bem mais divertido que o Borg e por aí vai. Tudo isso, pela televisão. Até ontem.
Juntei meu rico dinheirinho e lá fui eu pro US Open. Na verdade, a jornada começou na sexta, quando os jogos foram cancelados pela chuva. Ontem choveu o dia inteiro, mas deu tempo de ver o Nadal dar um pneu no Gonzalez, me divertir com as pessoas dançando pro telão, comer pizza quatro queijos. Eu ficava olhando a quadra e rindo sozinha. Mais um sonho foi pra conta. Agora só me falta Roland Garros. Allez, Mila!

Tuesday, September 8, 2009

Ensaio sobre o tempo

Nossa, que saudade de casa! Quanto mais perto fica minha ida ao Brasil, mais parece insuportável.
Quando somos crianças, não percebemos a dimensão das vontades desse senhor tão bonito quanto a cara do filho.  Volta e meia ele apronta. Faz umas coisas surgirem nos momentos mais estranhos, outras desaparecerem quando não deveriam. Faz rugas se mostrarem sem que a gente possa culpar o sol ou um passeio de moto. É ele. Simples e duro como qualquer outro Deus.
Nos meus retiros espirituais, encontro certas coisas tão banais quanto essa reflexão sobre o tempo. Drummond dizia "o tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente".  
Tudo isso me faz pensar naquelas coisas que sempre ouvimos em tempos de fossa: "tinha de ser assim", "não aconteceu à toa ou "o tempo resolve".
Tempo, tempo, tempo, tempo, espero entrar num acordo contigo.

Wednesday, September 2, 2009

Still walking


Acho que é mesmo uma coisa milenar. Do mesmo jeito que cozinham (com atenção aos menores detalhes, como disposição das semente de gergelim no arroz) , conversam (baixinho e delicadamente) ou caminham (com uma elegância que beira a doçura) , os japoneses fazem cinema.
Ontem vi "Still Walking", de Kore-eda Hirokazu. Expressivo, forte e belo como a bandeira japonesa. Não sei se é a força dos diálogos, a beleza da fotografia ou o olhar expressivo dos atores, mas o filme me invadiu de uma maneira brutal e singela. Como pode? 
Depois do cinema fui comer pizza com amigos, pra comemorar o aniversário da Josie. Na hora de explicar o filme que acabara de ver, não sabia bem o que dizer. Nenhum extra-terrestre caía na terra, não havia nada de engracado, nem mesmo um pai em conflito com a criação de um filho deficiente. Nadica de nada. Era apenas um drama familiar, uma história que poderia ser minha ou sua. E que talvez o seja. No filme, aparecem as mesmas escadarias e cachos de flores que já haviam feito tremer meu coração em "Nobody Knows". Acho até que a mãe desse filme é a irmã de "Still Walking". Preciso descobrir. E preciso também ver "After Life", que já movi pra primeiro, na minha lista da Netflix.
Confesso que depois de "Departures" pensei que dificilmente algum outro filme mexeria tanto comigo e me faria pensar que Kurosawa ganhou companhia à altura na prateleira dos clássicos japoneses. Pois não só tenho certeza disso, como acho que a beleza dessa meditação com diálogos e movimento vai permanecer no meu coração por muitos dias ainda. Ou talvez não saia dele nunca mais.

Thursday, August 27, 2009

Platéia afinada, maestro genial ou é só música?


Sempre fui fã do Bobby McFerrin. Na verdade só descobri que aquela musica bonitinha, que dizia "Don't Worry Be Happy"era dele tarde, bem depois de "Hush", meu primeiro amor. O disco, que também me apresentava Yo-Yo Ma, me veio em forma de fita cassete quando eu tinha uns 14 anos. Depois vieram "Paper Music", meu preferido, e "The Mozart Sessions", com o Chick Corea, que meu pai já havia me mostrado alguns anos antes. A modernidade de Bang!Zoom, com McFerrin numa uma provocativa blusa de gola rolê na capa, foi trilha de muitos almoços de domingo, até a família toda enjoar e eu sequestrar o disco de vez pro Rio.
Fiquei muitos anos sem ouvir falar de novidades do McFerrin. Ele lançou poucos discos de lá pra cá, mas se manteve ativo na demonstração de que a música é orgânica.
O vídeo, sucesso no Youtube, é de encher os olhos. De repente se forma um coral afinado, de arrepiar. O chão vira piano, o maestro, pianista. No final, no entanto, ele nos avisa: não é talento. O fenômeno acontece em qualquer lugar do mundo, qualquer que seja a audiência. É só música. E precisa de mais?
http://www.youtube.com/watch?v=ne6tB2KiZuk

Tuesday, August 25, 2009

Yore accent sucks, y'all hea-ah?


Na semana em que Chico estava aqui vimos três filmes no cinema em sequência. "Adam", uma belezinha, com Hugh Dancy interpretando um jovem com síndrome de Asberger brilhantemente. Adam não é caricato, não faz caras e bocas, apenas vive, por mais difícil e tortuoso que isso possa ser. Depois, vi "Funny People" e saí do cinema feliz da vida porque as piadas eram boas e eu tinha entendido todas. No dia seguinte, "Julie & Julia", com Maryl Streep e Amy Adams divertidíssimas e, mais uma vez, eu rocking no meu inglês. 
É uma aflição comum a quem vive em outro país. Nos primeiros filmes, a gente quase não entende nada. Aos poucos começa a perder apenas algumas coisinhas e pimba! (pimba é muto bom...). Entendemos as piadas, o filme inteirinho! Nossa, é uma alegria!
Pois resolvi ver "Gandhi", um filme de 1982 que cismava em faltar na minha lista de preferidos. Um filme maravilhoso, com Ben Kingsey apaixonante no papel título. Três horas de belíssima fotografia, com elenco afinado e diálogos lindos. E como não seriam se são o que Gandhi disse? Pois foi justamente esse o meu erro. Perdi muita coisa porque os atores, bons que são, falam com sotaque indiano. E meu inglês, pobrezinho, não dá conta de entender sotaques. O mesmo acontece quando são japoneses falando inglês, ou os turcos dos táxis de NY. Não sei como eles entendem o meu sotaque. 
Será que eles entendem?

Sunday, August 23, 2009

O tempo e o artista


Hoje fui ver o filme argentino "The Headless Woman". Já começava bem: cinco estrelas, segundo a Time Out, "Brilhante", de acordo com o NY Times, em cartaz no meu cinema preferido, o Film Forum, na West Houston. Enquanto isso, em São Paulo, Chico foi ver o uruguaio "Gigante". Foi o mais perto que conseguimos do nosso sistema "at the same time", um jeito esperto de nos mantermos próximos, a um oceano de distância. É simples: a gente vai ao cinema ver o mesmo filme, ao mesmo tempo, lê livros simultaneamente, enfim, tudo o que for possível para que possamos dividir sensações sobre o mundo.
Pois bem, o meu filme era mesmo excelente. Parecia um Antonioni com a graça do novo cinema argentino. Vero é uma mulher que passa o filme todo sem saber se atropelou ou não uma pessoa. O acidente muda a vida da dentista, mãe de duas filhas. Traz à tona a sensação de inadequação tão comum nos tempos modernos. É uma mistura de culpa, estranhamento, vontade de mudança. O filme termina como começa: com a gente perdido na cadeira, emaranhado pela confusão da personagem.
O maluco nisso tudo é que hoje não era o dia de eu ver esse filme. Acordei meio sorumbática. Era dia de ver Harry e Sally, não Lucrécia Martel. O Chico, em compensação, saiu do filme, taxado de comédia romântica, com a alma lavada. 
Isso me fez pensar como quase sempre a arte tem o poder de nos tirar de maus momentos, nos inspirar ou tornar o dia mais colorido. Em troca, no entanto, há que se ter certo carinho com ela. Se o seu estado de espírito claramente não for aquele, em respeito ao criador, fique em casa. Não estrague a possibilidade de uma bela experiência por culpa da ansiedade. Cuide da obra como se ela fosse sua. 
Num texto emburrado, reclamando da modernidade, Ernesto Sabato trouxe uma observação maravilhosa: o problema daqueles bares onde a música está sempre nas alturas não é apenas o fato de a gente não conseguir conversar. Trata-se, também, de um desrespeito à própria música, pobrezinha, que, nessas circunstâncias, não pode ser apreciada com a devida atenção. 
Depois dessa, me resta ler a Time da semana.

Tuesday, August 18, 2009

Salvador

Na foto ao lado eu estava na Sam Ash, em abril, quando minha mãe veio me visitar. Queríamos fotografar a loja pro meu pai, com quem eu falava no telefone naquele momento. Desde cedo os dois me ensinaram a amar a música. Tão cedo que abandonei as aulas de piano aos cinco, mais ou menos quando as Barbies me pareciam bem mais coloridas que as teclas pretas e brancas. Depois, lá pros nove anos, eles me matricularam no curso da professora Lourdes, curiosamente, nome do mesmo bairro onde morávamos. Acabei deixando o moço meio de lado quando conheci Fred e Chico, dois dos melhores violonistas que já conheci. Juro. Os dois, por sua vez, também seguiram carreiras profissionais distantes da música: um é administrador, o outro advogado. Mas continuam tocando muitíssimo bem. 
Pois eu segui tocando de vez enquando, os acordes mais simples. Até ficar triste, triste. Daí, a primeira pessoa que me veio à cabeça foi o violão. É que nessas horas o bichinho parece ter coração e saber dar abraços. Fui com minha mãeà Guitar Center, onde compramos o Salvador. Ele já veio com o nome, apesar de parecer invenção. Salvador me tirou da fossa. Ele e mamãe, é claro. 
Só resolvi escrever este post de agradecimento ao violão porque ontem fui à casa da Dani no fim da tarde, dar a ela a primeira aula de violão. Eu e Sérgio compramos um Yamaha lindo pra ela, de surpresa, e agora a moça dá os primeiros passos. Ela é bem esperta, vai aprender rapidinho. E é tão bonito ver alguém aprendendo a tocar o instrumento. A emoção do primeiro acorde com som limpo, o desafio de um dedilhado novo, a sensação de que se tem o mundo na ponta dos dedos. Boa sorte, Dani. Evoé.

Sunday, August 16, 2009

Staycations


Era esse o título da matéria de capa da Time Out desta semana, aqui em Nova York. Parece que eles advinharam. Tirei a semana pra aproveitar a cidade com o Chico. Pra isso, é claro, trabalhei dobrado por três semanas e, quando já parecia que eu não ia aguentar mais chegou o sábado e fui cedinho ao aeroporto.
Foi uma semana inacreditável. Tão especial que só dá pra reproduzir numa lista dessas rápidas, mas suficientes pra lembrar o que a memória vai guardar pra sempre.
Sat: Central Park; Pier 70; Cookies na 74th Street; Rave no Cetral Park; Hip Hop no Central Park.
Sun: Tentamos, sem sucesso, ir à missa do Harlem; Columbia (passadinha no Le Monde); Casa da Dani e do Sérgio (risotto com Mumme, Dany, Karina); Jazz no basement do Harlem. 
Mon: Brooklyn (de metrô + Ice Cream Factory + Dumbo); Brooklyn Bridge a pé; Ground Zero; Staten Island (vista linda da Estátua da Liberdade); almoço em Chinatown; Wall Street; Soho (chocolate); Greenwich Village (Tiramisu); Washington Square.
Tue: Metropolitan (Francis Bacon); Grand Central (mercado + oysters); Public Library; Bryant Park; Times Square; Hair
Wed: Saint Thomas e Saint Patrick's Church; 5th Ave; Guggenheim; Le Monde (almoço); Abyssinian Church Harlem; Vespa, na 2nd Ave com Laura e Cz.
Thu: Bryant Park (chuva) café Juan Valdez; Almoço no mexicano em Hells Kitchen; Barnes & Nobles; Cinema (Adam); Opera (A Flowering Tree, no Lincoln Center).
Fri: Passeio longo de bicicleta até Battery Park com patrocínio de Michelle e Peter; Rosa Mexicano; Cinema (Funny People); Summer Stage (Martha Wainwright).
Sat: Show Bubble no Lincoln Center (playing Sgt Peppers); Union Square; Noodles no Republic; Loja de gibis; Igrejinha; Cinema (Julie & Julia); Jantar em casa
Sun: Moma; almoço no Etíope, aeroporto.
E agora? Como voltar à rotina?

Sunday, August 2, 2009

Desconstruindo Londres


Três dias sem escrever bastam pra parecer que uma eternidade se passou. Princialmente quando esses três dias se passam longe de casa. Começando pelo começo, gravei o dia todo na sexta mas, à noite, tive uma surpresa maravilhosa. Jantei com Denise e David, sweethearts desde os tempos da faculdade que se casaram e estão morando aqui. Fomos a um vietnamita com direito a rolinho primavera de primeira e sorvete de tapioca de sobremesa. Delicioso. Só não tanto quando lembrar como é bom ter amigos há muito tempo. Chico diz que a quantidade de amigos que se tem há mais de dez anos diz muito sobre a pessoa. Nesse quesito estou bem servida (quando eu ia pro aeroporto, Carol me lembrou que é minha melhor amiga há vinte anos!), mas nunca é demais perceber que tem algumas pessoas que não passam. Não via os dois há anos. A Dê então, nem se fala. Queria saber tudo, mas o mais importante eu soube no primeiro abraço. Os dois continuam com a mesma essência. São lindos, bondosos, apaixonados e cheios de amor pra espalhar. Inteligentes, interessados, companheiros, inspiradores. Saravá!
Foram eles que me indicaram o meu passeio da manhã de sábado. Era meu único tempo livre na cidade, pois 1pm tinha gravação de novo. Fui correndo até o Design Museum. Um barato. Além de uma linha do tempo super interessante, de 1960 a 2009, mostrando como o mundo mudou esteticamente, sempre pautando os principais acontecimentos históricos de cada ano. Além disso, uma temporária do designer espanhol Javier Mariscal era de encher os olhos. Ele é o talentoso moço que fez o bonequinho dos Jogos Olímpicos de Barcelona. Além de o trabalhos serem lindos, a exposição era maravilhosa, de um bom gosto tremendo. Cortinas de canudinhos pretos separavam uma ala da outra. Os trabalhos, ora pendurados, ora espalhados pelo chã ou pelas paredes encheram de cor o dia.

Até eu chegar ao metrô. Fecharam uma linha porque algum maluquinho esqueceu uma bolsa na estação. Deve ser terrível viver numa cidade com medo de terroristas. Pelo menos no caminho até o metrô me deparei com a figura da foto ao lado. Um artista de rua, que me lembrou aquele quadro do Magritte, O Homem com chapéu de côco. Genial.

Thursday, July 30, 2009

Mind the gap


Cheguei a Londres hoje por volta das duas da tarde, depois de um atraso no vôo. Ainda são seis e pouco, mas já aconteceu tanta coisa...  Melhor começar por ontem, ainda no aeroporto, quando vi "I've loved you for so long", o primeiro filme do Philippe Claudel, que o Chico que disse que era conhecido apenas como escritor. Um filmão. Depois que assisti a "The color of paradise" e não chorei, achei que algo de  muito errado estava acontecendo comigo. Pois ontem desabei, no meio do aeroporto. 
É a história de uma mulher que passa quinze anos presa pelo assassinato do filho. O roteiro não subestima o espectador em nenhum momento; não sobram informações, ninguém toma partido de nada, você simplesmente é levado a um exercício de duas horas de profunda compaixão.
Depois de tudo isso, é claro que não preguei o olho no avião. Chegando ao hotel, resolvi apelar pro meu mais constante companheiro: meu tênis. Pedi socorro ao meu par de amigos e saí correndo pelo Tâmisa. Atravessei a Tower Bridge, depois a London Bridge e, aos poucos, fui lembrando porque Londres foi a primeira cidade onde disse "eu moraria pra sempre aqui". Acho que Saint Peter retribui esse amor platônico com carinho porque, acredite ou não, em inúmeras visitas, nunca peguei um dia de chuva. Uma garoazinha até já vi, mas normalmente os dias são lindos. E dias lindos na cidade do fog são imbatíveis. 
Corri ouvindo uma das minhas listas malucas de corrida, mas na hora do alongamento, resolvi pôr no shuffle, pra ver que trilha o acaso escolheria para o momento mágico. Veio uma música que não sei como foi parar no meu Ipod, mas é bonitinha demais. "Good old fashioned lover boy", do rei da fofura (pro bem ou pro mal), Jason Mraz.
Ah, antes de terminar este post vale dizer que se come cada vez melhor na terra do Fish and Chips. Hoje almocei uma queijo de cabra assado com salada verde e um crepe (de verdade, de trigo integral e tudo) de espinafre, cogumelos e queijo gruyère. Achou chique? Custou menos de dez libras, num café charmoso na beira do rio. Mind the belly!

Esquilos encantadores


Já passou. Foi no domingo. Mas como este blog é para guardar as melhores lembranças das minhas recentes caminhadas, achei que deveria escrever.
Fomos eu, Cacá, Alex, Jesse, Zé Marcelo, Dany. De todos, apenas eu e Jesse sabíamos o que veríamos (embora ele tenha confessado que não lembrava que a banda era tão boa). O Squirrel Nut Zippers fez algum sucesso os Estados Unidos na década de 90, quando deu voz a comerciais da Gap. No Brasil são praticamente desconhecidos, mas eu me apaixonei de primeira, principalmente quando ouvi Low Down Man, numa interpretação de Katharine Whalen que faz lembrar tanto a Billie Holliday que dá agonia. No show que vimos, no Highline Balroom (uma casa linda... novinha e aconchegante), esta música entrou no bis. Aliás, o show foi tão longo que teve de ser dividido em dois sets. E foram poucas baladas. Era dixie brabo, de dar vontade de correr pra New Orleans. As letras (que agora percebo serem engraçadíssimas) são apenas o molho de uma banda em que todos tocam bem individualmente e maravilhosamente juntos. Saímos suados e em êxtase.

Wednesday, July 29, 2009

Don't you know, Dindi?


Quem tem animais de estimação sabe. É raro um dia em que eles não aprontam. Eu, que divido um apartamento com uma dupla da pesada no quesito bagunça, ainda não consigo me acostumar com as surpresas. A última da Dindi foi sentar pra assistir ao David Letterman como se fosse uma lady. A mocinha se postou no canto do sofá e quando voltei da cozinha, quase deixo o copo d'água se estatelar no chão, tamanho o susto. Se eu começar a postar aqui as diversas poses dela ao dormir, não acabo hoje. 
Um amigo que mora num pequeno apartamento na Tijuca com a mulher e quatro filhos hiperativos me contou que, impaciente com a bagunça, procurou um terapeuta, que recomendou: arrume um cachorro.  A teoria do doutor era de que, pra um ambiente caótico deixar de sê-lo, a solução poderia ser acrescentar mais um elemento de gentil loucura. Não deu outra. As crianças ficaram mais calmas, os pais mais tolerantes. No meio da bagunça do coração de Pinduca e Dindi, descobri que a tolerância mora em lugares escondidos da alma. E que, quando a gente aprende a ser paciente com o mundo, o mundo devolve a gentileza. O passo seguinte é ser tolerante consigo mesmo. Quem sabe a gata que agora repousa de barriga pra cima no sofá até então limpinho e o cachorro que acaba de fazer xixi na mala que eu levaria hoje pra Londres não ajudam?

Tuesday, July 28, 2009

Merce Cunningham


Decidi começar a escrever este blog quando soube da morte do coreógrafo Merce Cunnigham. Queria deixar anotadas em algum lugar as recente memórias das minhas caminhadas pelo mundo, em especial por Nova York, minha casa desde janeiro deste ano. Não quero ver o tempo coando os detalhes de dias tão marcantes.
Num fim de semana de abril fui com minha mãe à Brooklyn Academy of Music, uma das mais belas casas da cidade. A arquitetura clássica, o pé direito alto, permitindo que a elegância se espalhe, já pagariam o ingresso. A companhia da minha mãe bastaria para que eu me percebesse pagando pouco. E quando o espetáculo começou, percebi que vivia um momento impagável.
A música de Sonic Youth, cheia de esquisitices, servia de compasso pra uma coreografia que parecia saída da cabeça de um jovem de roupas coloridas e cabelos arrepiados. Um instante, maestro. Um jovem assim não teria bagagem pra calcular cada movimento como se ele tivesse sido criado sem qualquer cálculo. Era só sentimento, como se a natureza tivesse criado um novo bicho, meio anjo, meio bailarino, meio trator. 
O cenário imponente desaparecia numa mistura se sensações que às vezes lembrava nuvem, às vezes arco-íris.
E no final daquilo tudo, quando eu já não sabia mais se ria ou chorava, Merce Cunningham, numa cadeira de rodas, entrou no palco. Como sempre, elegante, usando roupa preta e cachecol, teve de arrumar forças pra acenar por mais de dez minutos. Foi o tempo em que o público permaneceu de pé, aplaudindo não a apresentação daquela tarde mágica, mas os 90 anos de serviços prestados aos corações do mundo.
Espero que Pina Bausch o esteja esperando descalça, num vestido longo, pra um baile sem fim.