Thursday, July 30, 2009

Mind the gap


Cheguei a Londres hoje por volta das duas da tarde, depois de um atraso no vôo. Ainda são seis e pouco, mas já aconteceu tanta coisa...  Melhor começar por ontem, ainda no aeroporto, quando vi "I've loved you for so long", o primeiro filme do Philippe Claudel, que o Chico que disse que era conhecido apenas como escritor. Um filmão. Depois que assisti a "The color of paradise" e não chorei, achei que algo de  muito errado estava acontecendo comigo. Pois ontem desabei, no meio do aeroporto. 
É a história de uma mulher que passa quinze anos presa pelo assassinato do filho. O roteiro não subestima o espectador em nenhum momento; não sobram informações, ninguém toma partido de nada, você simplesmente é levado a um exercício de duas horas de profunda compaixão.
Depois de tudo isso, é claro que não preguei o olho no avião. Chegando ao hotel, resolvi apelar pro meu mais constante companheiro: meu tênis. Pedi socorro ao meu par de amigos e saí correndo pelo Tâmisa. Atravessei a Tower Bridge, depois a London Bridge e, aos poucos, fui lembrando porque Londres foi a primeira cidade onde disse "eu moraria pra sempre aqui". Acho que Saint Peter retribui esse amor platônico com carinho porque, acredite ou não, em inúmeras visitas, nunca peguei um dia de chuva. Uma garoazinha até já vi, mas normalmente os dias são lindos. E dias lindos na cidade do fog são imbatíveis. 
Corri ouvindo uma das minhas listas malucas de corrida, mas na hora do alongamento, resolvi pôr no shuffle, pra ver que trilha o acaso escolheria para o momento mágico. Veio uma música que não sei como foi parar no meu Ipod, mas é bonitinha demais. "Good old fashioned lover boy", do rei da fofura (pro bem ou pro mal), Jason Mraz.
Ah, antes de terminar este post vale dizer que se come cada vez melhor na terra do Fish and Chips. Hoje almocei uma queijo de cabra assado com salada verde e um crepe (de verdade, de trigo integral e tudo) de espinafre, cogumelos e queijo gruyère. Achou chique? Custou menos de dez libras, num café charmoso na beira do rio. Mind the belly!

Esquilos encantadores


Já passou. Foi no domingo. Mas como este blog é para guardar as melhores lembranças das minhas recentes caminhadas, achei que deveria escrever.
Fomos eu, Cacá, Alex, Jesse, Zé Marcelo, Dany. De todos, apenas eu e Jesse sabíamos o que veríamos (embora ele tenha confessado que não lembrava que a banda era tão boa). O Squirrel Nut Zippers fez algum sucesso os Estados Unidos na década de 90, quando deu voz a comerciais da Gap. No Brasil são praticamente desconhecidos, mas eu me apaixonei de primeira, principalmente quando ouvi Low Down Man, numa interpretação de Katharine Whalen que faz lembrar tanto a Billie Holliday que dá agonia. No show que vimos, no Highline Balroom (uma casa linda... novinha e aconchegante), esta música entrou no bis. Aliás, o show foi tão longo que teve de ser dividido em dois sets. E foram poucas baladas. Era dixie brabo, de dar vontade de correr pra New Orleans. As letras (que agora percebo serem engraçadíssimas) são apenas o molho de uma banda em que todos tocam bem individualmente e maravilhosamente juntos. Saímos suados e em êxtase.

Wednesday, July 29, 2009

Don't you know, Dindi?


Quem tem animais de estimação sabe. É raro um dia em que eles não aprontam. Eu, que divido um apartamento com uma dupla da pesada no quesito bagunça, ainda não consigo me acostumar com as surpresas. A última da Dindi foi sentar pra assistir ao David Letterman como se fosse uma lady. A mocinha se postou no canto do sofá e quando voltei da cozinha, quase deixo o copo d'água se estatelar no chão, tamanho o susto. Se eu começar a postar aqui as diversas poses dela ao dormir, não acabo hoje. 
Um amigo que mora num pequeno apartamento na Tijuca com a mulher e quatro filhos hiperativos me contou que, impaciente com a bagunça, procurou um terapeuta, que recomendou: arrume um cachorro.  A teoria do doutor era de que, pra um ambiente caótico deixar de sê-lo, a solução poderia ser acrescentar mais um elemento de gentil loucura. Não deu outra. As crianças ficaram mais calmas, os pais mais tolerantes. No meio da bagunça do coração de Pinduca e Dindi, descobri que a tolerância mora em lugares escondidos da alma. E que, quando a gente aprende a ser paciente com o mundo, o mundo devolve a gentileza. O passo seguinte é ser tolerante consigo mesmo. Quem sabe a gata que agora repousa de barriga pra cima no sofá até então limpinho e o cachorro que acaba de fazer xixi na mala que eu levaria hoje pra Londres não ajudam?

Tuesday, July 28, 2009

Merce Cunningham


Decidi começar a escrever este blog quando soube da morte do coreógrafo Merce Cunnigham. Queria deixar anotadas em algum lugar as recente memórias das minhas caminhadas pelo mundo, em especial por Nova York, minha casa desde janeiro deste ano. Não quero ver o tempo coando os detalhes de dias tão marcantes.
Num fim de semana de abril fui com minha mãe à Brooklyn Academy of Music, uma das mais belas casas da cidade. A arquitetura clássica, o pé direito alto, permitindo que a elegância se espalhe, já pagariam o ingresso. A companhia da minha mãe bastaria para que eu me percebesse pagando pouco. E quando o espetáculo começou, percebi que vivia um momento impagável.
A música de Sonic Youth, cheia de esquisitices, servia de compasso pra uma coreografia que parecia saída da cabeça de um jovem de roupas coloridas e cabelos arrepiados. Um instante, maestro. Um jovem assim não teria bagagem pra calcular cada movimento como se ele tivesse sido criado sem qualquer cálculo. Era só sentimento, como se a natureza tivesse criado um novo bicho, meio anjo, meio bailarino, meio trator. 
O cenário imponente desaparecia numa mistura se sensações que às vezes lembrava nuvem, às vezes arco-íris.
E no final daquilo tudo, quando eu já não sabia mais se ria ou chorava, Merce Cunningham, numa cadeira de rodas, entrou no palco. Como sempre, elegante, usando roupa preta e cachecol, teve de arrumar forças pra acenar por mais de dez minutos. Foi o tempo em que o público permaneceu de pé, aplaudindo não a apresentação daquela tarde mágica, mas os 90 anos de serviços prestados aos corações do mundo.
Espero que Pina Bausch o esteja esperando descalça, num vestido longo, pra um baile sem fim.