Thursday, June 17, 2010

Dia 140 - Sara, Theroux e um belo e estranho caminho


Desde que escrevi aqui a última vez, já passamos por Nashville, Atlanta, Savannah, Charleston e agora nos despedimos de Myrtle Beach, na Carolina do Sul. Seria difícil e, confesso, pouco prazeroso, tentar lembrar o que se passou dia-a-dia, durante minha ausência. Em vez disso, vou escrever nos próximos dias um post sobre cada uma dessas cidades e voltar à rotina de passar por aqui todos os dias.

Hoje chegamos ao 140o dia da nossa viagem. Ontem, lendo um livro do Paul Theroux, consegui encontrar eco para as angústias que encontramos pelo caminho. Ele, talvez o homem mais viajado do mundo, fala do desespero que é você passar a vida sendo um estranho. Onde quer que ele chegasse, as diferenças culturais, idiomáticas e até sensoriais se faziam tão presentes, que ele se sentia isolado. O problema é que com o passar do tempo, abarcando tantas coisas diferentes, tantos Therouxs distintos, ele passou a perceber que o sentimento de outsider já era parte de sua existência. Ele se sentia assim em casa, ao lado da família.

Abrir o coração para o mundo, abraçar as diferenças, se interessar pelo estranho é seguramente mais doloroso do que não se deixar envolver. Hoje, seguimos nos envolvendo, em gravações com brasileiros, cada um com sua história, em piadas com franceses que estavam aqui acampados, sobre a derrota pro México na Copa, num jantar num restaurante etíope. Aliás, veio de lá a maior lição. Sara, a linda senhora africana que nos antendeu, se disse fã do futebol brasileiro, contou que no país dela, sempre que nossa seleção joga as pessoas saem às ruas, em festa. Contou ainda que o que havíamos aprendido no nosso etíope do coração, na 105th, em NY, é verdade: os etíopes de fato comem com as mãos sem sujar as mãos, tarefa impossível para nós, brasileiros, mais habilidosos com os pés.

Antes de trazer a conta, Sara trouxe um papel amarelo já meio morno, com uma porção de rabiscos. Pediu que eu escrevesse "what's your name" em português e explicou que pedia o mesmo a todos os estrangeiros que provavam seu tempero. Escrevi e, logo abaixo, anoitei "comida maravilhosa, pessoas maravilhosas". Talvez Sara nunca saiba o significado do que escrevi. Talvez nem precise. A curiosidade dela, a vontade de saber do outro e a confiança de que o estranho vai se dispor a anotar ali o que lhe foi pedido, fazem de Sara uma pessoa especial. Estranha em qualquer parte do mundo e, ao mesmo tempo, acolhedora, como se o mundo todo fosse sua casa.

1 comment:

Anonymous said...

o post mais lindo de todos!!