Tuesday, October 12, 2010

Dia 257 - Meu encontro com o desconhecido


Já faz uns dez anos. Foi num dia muito, muito frio, em Paris. Lembro que era o primeiro domingo de novembro. Não por mérito da minha memória. Era esse o dia da gratuidade e, vivendo numa cidade cara, ganhando salário de estagiária, era sempre no primeiro domingo do mês que eu visitava meu museu favorito.
Mas aquela era a primeira vez em que eu ia até lá. Estava cheia de curiosidade, não apenas para ver Monet, Rodin, Renoir e tantos outros artistas que conhecia só de livros da Taschen, mas para conhecer a estrutura do lugar, que fora uma das mais charmosas estações de trem da cidade.
O Musée D'Orsay era mesmo tudo isso e um tanto mais. Naquele inverno de 2000, ainda tinha uma exposição temporária sobre a carreira do Nijinsky, com fotos e obras inspiradas nos movimentos dele.
Sala após sala, foram horas de encantamento. Passeei por rios cheios de vitórias-régias, andei por plantações de trigo, fiz piquenique na beira do lago. Descobri cores que desconhecia, rodeei inúmeras esculturas, guerreei com ávidos fotógrafos japoneses para sentir um respiro de impressionismo.
Até que entrei numa sala cheia.
Entre tanta gente, mal conseguia ver os quadros. Demorava. Eram pelo menos uns dez minutos para passar de um para o outro, fora o tempo que eu já levo naturalmente, de frente para cada um deles.
De repente, um mundo saltou da tela pro meu colo. Era "O quarto", de Van Gogh. Completamente diferente de qualquer reprodução que eu já tinha visto. Nada que eu conseguisse descrever, ou prever. O vermelho do cobertor, o azul da parede, o dourado das cadeiras. Tudo tão novo, tão único, que meu coração jamais poderia se preparar.
Caí no choro.
Chorava tanto e tão alto que as lentes japonesas passaram a se virar pra mim, desprezando Manet e Cézanne. Um papelão.
Minha tarde acabou ali. Saí da sala, bebi água, sentei num banquinho no corredor. E chorei, chorei, chorei.
Lembrei o motivo de eu nunca ter pôsters de quadros em casa: eles nunca reproduziriam a minha sensação ao ver a obra de verdade. E aprendi que um objeto retangular, pequeno e pessoal, pode ser tão poderoso quanto uma canção, um namorado, nossa mãe, ao falar de sentimentos.
Naquele momento, estava eu, em meu quarto apertado no 17eme arrondissement, com medo de morrer e ninguém me encontrar. Estava o pouco dinheiro, nunca suficiente para telefonar para casa. Estava a vontade de saber daquilo tudo e a assustadora descoberta de que tudo o que eu sabia até então era nada perto do que o mundo ainda tinha para oferecer.
Mas naquela época eu tinha meus 19, 20 anos, e descobertas fazem parte da rotina.
Lindo é descobrir que hoje, beirando os 30, ainda posso me sentir menina de novo. Aqui em Chicago, não foi Vicente, mas Eduardo o responsável pelo meu renascimento.
Descobri Hopper pouco antes de ir morar em Paris, lendo uma revista. A solidão dos personagens, as paisagens infinitas me pegaram pelo pé. Comprei um livrinho de mão e fui descobrindo aos poucos novas obras. Depois da temporada em Paris, voltei à Europa várias vezes, mas nunca consegui ver um quadro dele. Afinal, com tantos vizinhos geniais, para que um museu europeu daria destaque a um americano?
Chegando a Nova York, no Whitney Museum, tive meu primeiro encontro tête-a-tête com ele. Foi emocionante. De lá para cá, rodando a América, pude ver vários outros quadros de Hopper, exceto um.
"Nighthawks" foi o primeiro Hopper que eu vi na vida, naquela revista. Foi ele que despertou em mim o amor pelo artista. E hoje, por alguns minutos, ele foi só meu.
Numa terça-feira de dia lindo em Chicago, não havia quase ninguém no Art Museum. Passei por várias salas para conhecer a belíssima coleção de impressionistas de lá. A segunda mais completa do mundo, dizem eles, só perdendo para... tcharam! O Musée D'Orsay. Devia ser um pernúncio que eu não entendi, então, mais uma vez, não me preparei. Fui desembestada para a sala, com se fosse encontrar um velho amigo, que eu só conhecia por foto. Só que o tal amigo era completamente diferente do que eu imaginava. Na parede do diner, um amarelo cor de luz. O verde... Não sei... É quase o verde água da caixa de 36 cores da Faber-Castel, só que bem mais intenso. Quase molhado. E se antes eu não sabia o que estava se passando entre aquelas quatro pessoas, hoje, soube menos ainda. Não sei nem mais se se conhecem. O casal.... casal? A única coisa que sei é que, depois de visitar mais de 20 estados, depois de mais de nove meses morando nas estradas americanas, posso dizer que Hopper conhece a alma deste país como ninguém. Solitária. Devastada. Devastadora. Única.
O museu nada mais é que o lugar onde diferentes partes do mundo aparecem entre quatro pedaços de madeira.
PS: A reprodução acima é só para o leitor se localizar, mas não tem nada, nadica a ver, com a emoção da obra verdadeira. Vê-la já vale a viagem. E Chicago tem muito mais.

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