Tuesday, October 19, 2010

Dia 264 - Entre Mahler e a favela


Chicago é mesmo uma cidade incrível. Depois de ir a dois museus fabulosos (o de arte contemporânea com uma emocionante temporária do Calder), a um show do Chucho Valdez, a três filmes do Festival de Cinema e a um concerto da Sinfônica, resolvi que era hora de escrever.
O cônsul geral do Brasil aqui é o escritor João Almino, com quem passamos um dia, caminhando pela Universidade de Chicago. Já dá para esperar algo muito diferente de uma cidade onde nosso representante maior é um homem das letras. Pois Almino conseguiu trazer vários brasileiros, atuantes em diferentes áreas (arquitetos, escritores, artistas plásticos), para apresentar seus trabalhos aqui. Os últimos, conhecemos ontem.
Cacau Amaral, Rodrigo Felha e Cadu Barcellos, são três dos diretores de 5 X Favela, recebido com aplausos e um interessado debate no final da exibição que vimos no festival. O filme me deixou orgulhosa, em primeiro lugar, pela qualidade mesmo. Bem dirigido, com roteiros inteligentes, não subestima o espectador. Diverte, faz chorar, assusta. E, com cinco episódios distintos, é possível ter uma boa noção sobre vários aspectos da vida numa favela carioca: o medo, a amizade, as rivalidades entre quadrilhas, os sonhos. Outro ponto que me deixou orgulhosa dos brilhantes rapazes foi a postura. Acho o bom e velho complexo de vira-lata um companheiro do mal. Um daqueles "amigos" que quando a gente menos espera nos dão uma bela punhalada. Pois os três diretores não pediram desculpas nem obrigado. Simplesmente olharam no mesmo nível. Como disse Cadu, não se posicionam como cineastas da favela, mas cineastas, capazes de fazer qualquer filme.
E, só para deixar registrado, teve ainda o Mahler 7, regido pelo Pierre Boulez. Não e à toa que essa é a sinfonia mais desconhecida de Mahler. É difícil mesmo. Já no primeiro movimento você percebe que as coisas vão sair do planejado. Sempre brinquei que não deve haver profissão mais ingrata que a de percussinista de orquestra! Imagina ficar ouvindo tudo, tudo, pra só bater um gongo no final? Pois neste começo, vi os pobrezinhos correndo de um lado pro outro, demandados pela pujança daquelas notas que pareciam sempre esbarrar no "fora de hora". O segundo movimento, mais civilizado, digamos assim, destaca os sopros. Mas no terceiro, ele já volta para um clima "quem vem lá? que horas são? isso não são horas, que horas são?". No quarto, violão e bandolim, que desta vez fizeram as vezes dos tais percussionistas e ficaram três movimentos paradinhos, roubam a cena. Para culminar num quinto movimento estranho, com um final lindamente esquisito. E, pobre Boulez, tentando pôr ordem naquela bagunça. E não é que ele conseguiu?

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