Sunday, August 23, 2009

O tempo e o artista


Hoje fui ver o filme argentino "The Headless Woman". Já começava bem: cinco estrelas, segundo a Time Out, "Brilhante", de acordo com o NY Times, em cartaz no meu cinema preferido, o Film Forum, na West Houston. Enquanto isso, em São Paulo, Chico foi ver o uruguaio "Gigante". Foi o mais perto que conseguimos do nosso sistema "at the same time", um jeito esperto de nos mantermos próximos, a um oceano de distância. É simples: a gente vai ao cinema ver o mesmo filme, ao mesmo tempo, lê livros simultaneamente, enfim, tudo o que for possível para que possamos dividir sensações sobre o mundo.
Pois bem, o meu filme era mesmo excelente. Parecia um Antonioni com a graça do novo cinema argentino. Vero é uma mulher que passa o filme todo sem saber se atropelou ou não uma pessoa. O acidente muda a vida da dentista, mãe de duas filhas. Traz à tona a sensação de inadequação tão comum nos tempos modernos. É uma mistura de culpa, estranhamento, vontade de mudança. O filme termina como começa: com a gente perdido na cadeira, emaranhado pela confusão da personagem.
O maluco nisso tudo é que hoje não era o dia de eu ver esse filme. Acordei meio sorumbática. Era dia de ver Harry e Sally, não Lucrécia Martel. O Chico, em compensação, saiu do filme, taxado de comédia romântica, com a alma lavada. 
Isso me fez pensar como quase sempre a arte tem o poder de nos tirar de maus momentos, nos inspirar ou tornar o dia mais colorido. Em troca, no entanto, há que se ter certo carinho com ela. Se o seu estado de espírito claramente não for aquele, em respeito ao criador, fique em casa. Não estrague a possibilidade de uma bela experiência por culpa da ansiedade. Cuide da obra como se ela fosse sua. 
Num texto emburrado, reclamando da modernidade, Ernesto Sabato trouxe uma observação maravilhosa: o problema daqueles bares onde a música está sempre nas alturas não é apenas o fato de a gente não conseguir conversar. Trata-se, também, de um desrespeito à própria música, pobrezinha, que, nessas circunstâncias, não pode ser apreciada com a devida atenção. 
Depois dessa, me resta ler a Time da semana.

3 comments:

Claudio Renato said...

Oxe!!!!

Que maneira romântica de aproximação...Gostei! Vou fazer isso com a minha baiana...Beijos!!

Cláudio Renato.

Saudades!!!

Evelin said...

Mila, estou adorando os textos, você me inspirou...estou pensando seriamente em ter um blogue também, pois, como você disse: "não quero que as minhas experiências sejam coadas pelo tempo"... (mais ou ,menos isso, né?)beijos!

Unknown said...

Mila, há sempre que ter carinho. Com a vida ou a arte, por mais que tenhamos vontade de ser donos de ambas, vontade nascida no medo ou insegurança. Carinho é uma forma de querer bem e não de dominar bem. Tudo muda quando exercemos uma escuta apaixonada de todas as coisas. É questão de hábito, de aprendizado. Prestar atenção está na raiz do respeito. Beijo do Chico