Tuesday, May 11, 2010

Dia 103 (11/05) - Por que precisamos dos gênios?


Quando a gente passa por muita coisa ao mesmo tempo, há que buscar maneiras de organizar pelo menos uma parte delas dentro da alma, ou a gente enlouquece. À beira de me dizer Napoleão, corri paraantigas e eficientes alternativas. Voltei a meditar de manhã, correr, fazer uma série curtinha de exercícios debruçada no RV mesmo (feito aqueles de revista feminina que a gente não usa na academia, e que sempre achei que não serviam para nada, até descobrir que eles são feitos para pessoas que moram em RVs e não conseguem ir a academias saindo de uma cidade para a outra) e, por fim, ouvir meu "Triplo mantra". E, poucos dias, já me sinto, se não mais organizada, mais blindada em relação às inconveniências que vinham insistindo em bater à minha porta.

Eu só havia esquecido que existe uma outra tática anímico-organizadora tão poderosa quanto o desgaste físico: a leitura. Já fazia mais de um mês que estava agarrada na biografia do Louis Armstrong, "Pops", um livro maravilhoso, mas excessivamente rico. É o problema da biografia. Ao mesmo tempo que tem a beleza de fazer você compreender o outro, é meio chato para que não lê Contigo ficar um tempão se ocupando em saber tudo da vida de alguém. Daí, ontem, passei para "As Cidades Invisíveis", do Ítalo Calvino. Dele eu só havia lido "O visconde partido ao meio" e " O cavaleiro inexistente". As duas obras-primas, aliadas à história de vida do autor, já me faziam colocá-lo no meu pequeno altar de gênios. Ontem, ele me surpreendeu. Vi como ler faz falta para escrever melhor. Como a visão do gênio nos é necessária no processo de tentar entender o novo! Falando de Anastácia, ele parecia definir Las Vegas:

"A cidade aparece como um todo no qual nenhum desejo é desperdiçado e do qual você faz parte, e, uma vez que aqui se goza tudo o que não se goza em outro lugares, não resta nada além de residir nesse desejo e se satisfazer. Anastácia, cidade enganosa, tem um poder, que às vezes se diz maligno e outras vezes benigno: se você trabalha oito horas por dia como minerador de ágatas ônix crisóprasos, a fadiga que dá forma aos seus desejos toma dos seus desejos a sua forma, e você acha que está se divertindo em Anastácia quando não passa de seu escravo."

Falando de Zaíra poetisava minha última paixão, Nova Orleans:

"A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata. Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras."

Quisera eu ter dito que a cidade contém seu passado, como as linhas da mão!

Pois bem, hoje chegamos a mais um novo estado. O MIssissippi. Biloxi é bem menos inspiradora que Nova Orleans. Hoje mesmo, uma mulher (tudo bem que a placa do RV dela era do Texas...) gritou comigo pela janela do RV que eu tirasse o meu gato de perto da caminhonete dela. Hein? Quem no mundo se incomoda com uma gata vira-lata linda, andando calmamente numa coleira? É, meus amigos, estamos de volta à América. Quem sabe com o olhar de Cavino pousado no meu ombro, eu consiga tirar daqui alguma inspiração.

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