Thursday, September 24, 2009

Um moço chamado Koreeda


Estava passando da hora de eu escrever um post só sobre ele, o meu cineasta do momento. Faz tempo que nenhum artista me desperta tamanha vontade de mais. Ao som de Damien Rice cantando "The Professor", a música do momento, queria deixar anotadas as descobertas que o moço do sol nascente tem despertado em mim. 
Começaram há uns anos, quando vi, no cinema, "Nobody knows" (na foto), que lá no Brasil era "Ninguém pode saber". Devastada pela tristeza, deixei a sala em disparada, com o coração querendo parar. Acho que foi uma confusão tão grande que achei melhor, talvez inconscientemente, parar por ali.
Tempos depois esbarrei com "Still walking", que rendeu um post umas semanas atrás. Lindo, lindo. Resolvi, então, rever "Nobody knows". Mais uma vez, a sensação de que filmes são pessoas, portanto mudam com o tempo, virou certeza. É mesmo muito, muito triste. Provoca, sim, uma confusão enorme no peito. Mas não há motivo para ter medo de sentir. O filme, nas suas pequenas e grande tragédias, mexe com nossos instintos. Como ver alguém ter fome? Alguém indefeso tendo de se defender do indefensável? E como ver alguém grande e forte alheio a tudo isso? Até que ponto responsabilidade de sobrepõe à felicidade? Coincidentemente ontem uma escritora tentava, a todo custo, se defender da platéia e do prórpio apresentandor, no Dr Phill. Maria Housden fez quase o mesmo que a personagem de Koreeda, claro, em escala bem menor. Decidiu que, após o divórcio, deixaria os três filhos com o marido para viajar pelo mundo e escrever o livro. E o fez. Apenas duas mulheres (acho que no final do programa, Dr Phill resolveu deixar as senhoras falarem para que Maria não fosse apedrejada na saída do estúdio) defenderam a mãe desnaturada. São tantos os sentimentos que envolvem essa história que é difícil fazer qualquer julgamento. O direito à felicidade é sagrado. A preocupação em dar aos filhos a melhor condição de vida é nobre. Mas será que ficar longe da mãe é isso. Mal comparando, lembro quando vim para Nova York, no auge do inverno, e perguntei à veterinária se deveria trazer Pinduca e Dindi comigo. Ela disse: "chova ou faça sol, num apartamento grande ou pequeno, comendo ração ou sobra de comida, o que eles querem é estar com você". No filme de Koreeda é exatamente o que acontece. Sujos, sem água, luz ou comida, eles ainda chamam a mãe. Numa cena, a filha mais velha briga com o filho que decide jogar fora as roupas daquela que os abandonou. É um assunto complexo mesmo. Eu poderia passar horas divagando sobre isso, mas como o post é sobre o Koreeda, vamos ao "After Life".
Pois é, o filme de 1999, se passa numa repartição pública. Bem parecida com aquelas que a gente conhece, com mesas e divisórias, mas com uma diferença: é uma repartição no purgatório. Essa palavra não aparece em nenhum momento, mas o fato é que é para lá que as pessoas vão depois que morrem. lá chegando, se deparam com um pedido dos funcionários: precisam escolher um momento da vida que as encheu de alegria e de sentimentos bons. Todo o resto será apagado e apenas essa cena ficará. Para isso, o morto deve contar com detalhes tudo o que vive, viu e sentiu, e a equipe da repartição produzirá um filme para que aquilo nunca se apague (sim, está aí uma reflexão sobre o cinema que tem me tomado desde então). O curioso é que tem gente que lembra de um momento da infância, como uma dança com um irmão, com um vestido vermelho rodado, o encontro com um namorado que nunca virou de fato namorado, o cheiro das costas do pai, na hora de um passeio no parque, ou o instante em que uma brisa leve encontrou um luz difusa espalhando beleza pelo quarto. Há, ainda, os que não conseguem escolher momento algum. Um desses é Ichiro Watanabe, que repensa sua vida e conclui que teve um casamento "so so", um trabalho "so so", amigos "so so". Lembra que havia prometido à mulher que a levaria ao cinema todas as semanas, quando ainda namoravam, e nunca a levou. Eu mesma fiquei pensando no meu melhor momento e, ufa, não consegui escolher por excesso, não por falta.
Pois é, amigos, "a vida é uma só e duas mesmo que é bom ninguém vai me provar que teve a não ser que mostre certidão passada em cartório do céu e asinado embaixo: Deus! E com firma reconhecida."
Vinícius de Moraes, o dono dessa e de outras frases igualmente belas é o tema do próximo post. Ele e José Castello, autor de uma das mehores biografias que já li. Aliás, eles, Clarice Lispector e Benjamin Moser. Mas isso é outra história.

1 comment:

Evelin said...

Mila, eu vi After Life, uma das melhores coisas que já vi...já não me lembrava do nome do filme..., de quem era..., se realmente eu tinha assistido, ou se era uma brilhante criação do meu inconsciente...um deja vú qualquer....e eis que aparece você com esse post! Essa é uma das benesses de termos amigos: tornam-se a nossa memória...obrigada, amiga, essa lembrança hoje deu doce ao meu dia. Bem haja Mila Burns!